24 de abril de 2010

Bako Dagnon “Sidiba”

Do encontro entre dois mundos se trata ainda. E, mesmo que na sua união escasseiem as virtudes e sobejem os defeitos, continuam, como num mau casamento, a não conseguir viver um sem o outro. “Sidiba”, à semelhança do que se tem passado nos discos de Salif Keita, vem nesta perspectiva confirmar a incapacidade de produtores europeus em compreender os impulsos de modernização na música do Mali. Assim, recorrendo a redundantes efeitos de pós-produção que a enfartam, desperdiçam Jean Lamoot e Jean-Louis Solans o essencial de uma proposta que, no seu discretíssimo radicalismo, arriscou já uma inesperada alteração de paradigma. Pois – e nem as notas de apresentação lhe dão o devido crédito – este segundo CD da antiga cantora do Ensemble Instrumental du Mali dispensa por completo instrumentos associados à tradição das jelimusolu. E ao substituir a kora, o ngoni e o balafon por duas guitarras acústicas e uma eléctrica – nas mãos de Mama Sissoko, veterano dos Maravillas de Mali ou National Badema – mais não faz do que anunciar uma condição eminentemente contemporânea para si e a criação de um novo espaço de subtileza para a arte griô. Ou seja, exemplificando, tratar-se-á de um caso de negligência acrescentar uma linha de baixo extraída às Antilhas a uma diáfana ‘Wouya Larana’, precisamente no momento em que replicam as vozes áspera de Dagnon e maviosa de Hadja Kouyaté, ou aproveitar qualquer tema de inspiração latina, como ‘Fadeen Tô’, para elevar na mistura uma guitarra flamenca gravada em Paris ou temer o silêncio que se adivinha em ‘Alpha Yaya’ ao ponto de saturar a reverberação de cada uma das suas notas e lhe sublinhar o tom em sintetizador. Claro que não será um sinal menor de grandeza sobreviver a tão infiel manipulação nem se imagina melhor e mais amadurecida voz para a enfrentar. Mas, como diz um velho provérbio mandingo, “por mais tempo que uma canoa passe dentro de água, nunca será um crocodilo”. E é essa pretensão que, por ora, impede o reconhecimento de um clássico.

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