Uma imprensa cultural organizada como uma ciência e habituada a tratar como antropologia obscuras gravações africanas estremeceu ao primeiro volume de “Congotronics” e, justiça lhe seja feita, nem no derradeiro instante guinou o volante para evitar a colisão. Pelo contrário, usou essa força em proveito próprio e – como quem expõe um salto evolutivo há muito mantido sob os radares – incluiu Konono Nº1 numa linhagem de dissensão que partia da “Arte do Ruído” de Russolo, alcançava o matricial krautrock dos Can, repetia o código genético do dub místico de Lee Perry, criava descendência na orquestra de ferro-velho dos sonhos de Tom Waits ou, na aleatoriedade intrínseca ao exercício, se ramificava num êxtase rítmico ritualista de estirpe avant rock. A sujeição do grupo (que se julga estreado em gravações na meia hora de indução ao transe que Bernard Treton registou em 1978 para “Musiques Urbaines à Kinshasa”) à visão do formulista ocidental repete o equívoco de quem baralha dignidade humana e orgulho étnico. Como se a tradição pudesse apenas manifestar-se de forma absoluta ou de nenhuma. Quando, aqui, se trata antes da sincronização de todas as visões e da diluição do tempo histórico. Porque na electrificação e amplificação do likembe (idiofone próximo da mbira ou do kisanji) e no processamento do som das suas lamelas metálicas se pressente um impulso de contaminação que opera tanto no interior quanto no exterior dos códigos musicais padronizados. A tendência, sublinhada pela mão do produtor Vincent Kenis – para o grupo de Mingiedi Mawangu como esteve Teo Macero para Miles Davis –, revela-se inequívoca e dramaticamente central à aceitação da progressiva familiaridade destes sons e da crescente estranheza dos seus processos. E no que se revelava insular e inacessível, começa-se finalmente a reconhecer o mundo.
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