Interrogando-se sobre a melhor forma de pegar em ‘Naranjo en Flor’, há muito gravado em pedra por Roberto Goyeneche, Liliana Barrios vagueava em Zárate pelas margens do Paraná e parecia o rio murmurar-lhe aqueles primeiros versos: “era más blanda que el agua, que el agua blanda”. Chegando ao mar na cidade natal dos seus compositores, Homero e Virgilio Expósito, aproximou-se enfim da epifania que a conduziria a “Épica”, e que a pretexto da coincidência nominal dos irmãos argentinos com os poetas da Antiguidade Clássica retrata a sua obra como uma odisseia em torno da história do tango. Aliás, reunindo material compreendido entre 1897 e 1973 e despistando a canção porteña até ao virar da esquina encontrar o bolero, a milonga ou o candombe, aprofunda o paralelismo estético com os gregos ao concentrar-se nos versos de Homero que, rasgando o papel como punhais e precipitando-se velozes, directos e definitivos, foram por Virgilio musicados de forma ambígua, muitas vezes contrariando o seu sentido literal embora nunca lhes negando o carácter teleológico. Por sinal, a tendência conceptual na produção da cantora não é nova – gravou “Gardeliana” em 1999 e “Troileana” em 2006, trazendo o disco dedicado a Aníbal Troilo a sua voz à Europa pela primeira vez – e revela-se ocasionalmente permeável ao calculismo. Mas aqui, com Abel Rogantini ao piano, Walter Ríos no bandoneón e Pablo Agri no violino à frente de um sexteto de cordas, deixa-se simplesmente ir, flutuando entre espaço e tempo e evitando os ardis interpretativos que tantas vezes empestam de perfume barato canções que no ar mais não devem deixar que o seu doce aroma. E, para já, distancia-se dos estilos de Lidia Borda, María Volonté, Gabriela Torres ou Silvana Grégori e aproxima-se antes de Silvana Deluigi, a mais distinta voz feminina no tango dos últimos quinze anos.
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