Este “Fé na Festa” foi no Brasil lançado a 1 de Junho, mês de fogueiras, balões e fogos-de-artifício. E dominado que está pelo forró e pelos ritmos dos arraiais nordestinos (xotes, baiões, quadrilhas, xaxados) qualquer outra calendarização teria sido inoportuna. O que significa que Gilberto Gil está uma vez mais de regresso ao sertão e a São João, temas que na sua narrativa pessoal implicam cruzarem-se memória biográfica e invenção artística mas que neste momento sugerem antes um distanciamento de si próprio. Entregue à exuberância joanina, traz crónicas em vez de comentários, nostalgia em vez de reflexão, e uma sensibilidade familiar que evoca a banda sonora dedicada a Luiz Gonzaga que interpretou em “Eu, Tu, Eles” (2000) ou “O Sol de Oslo” (1998), abrilhantado pelo acordeão de Toninho Ferragutti, aqui um protagonista central. Esteticamente, produz pouco mais que um palimpséstico eco das construções poéticas em torno da identidade regional que ao longo dos anos sintetizou em canções como ‘Procissão’ (de “Louvação”, 1967), ‘Casinha Feliz’ (de “Dia Dorim Noite Neon”, 1985) ou ‘De onde vem o Baião’ (de “Parabolicamará”, 1992), e a que atribuiu paradigmática expressão no álbum “Refazenda” (1975). Mas também é verdade que só agora poderia ter escrito desta maneira, novamente inebriado pela matéria plástica de que dispõe (três peças de época, uma releitura de ‘Norte da Saudade’ – de “Refavela”, de 1977 – e nove originais guiados de maneira extática por Ferragutti, Nicolas Krassic no violino e Sérgio Chiavazzoli no cavaquinho), glorificando um espírito colectivo que se projecta eterno, mas, simultaneamente, tão consciente do tempo histórico e, no limite, profundamente desiludido. O paradoxo desperta uma inquietação: voltará Gilberto Gil a colocar-se à frente do destino ou continuará a correr atrás do prejuízo?
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