Retiradas de ‘Invento’, a canção de Vitor Ramil que diz “Vento (…) / leva um beijo perdido / um verso bandido / um sonho refém”, as palavras que dão título a este disco (no Brasil editado em 2009 mas este ano lançado em Portugal) enunciam um programa eminentemente matogrossiano. E evocar a sombra da traição no mais íntimo dos gestos públicos serve, obliquamente, para que Ney se debruce novamente sobre a impossibilidade do amor – ou melhor, sobre o seu fim. Porque repetidamente se manifestam irrealizáveis as suas promessas, não se pode dizer que lhe falte – o cantor torna a revelar-se um exemplar curador de canções – matéria-prima para o desenvolvimento de um discurso que mesmo nas suas insignificâncias identifica o substancial (em ‘De Cigarro em Cigarro’, de Luiz Bonfá, declama “outra noite esperei / outra noite sem fim, aumentou meu sofrer / de cigarro em cigarro / olhando a fumaça no ar se perder”, enquanto que em ‘Nada por Mim’, dos Kid Abelha, esclarece que “você me diz o que fazer / mas não procura entender / que eu faço só pra te agradar / me diz até o que vestir / com quem andar, onde ir / mas não me pede pra voltar”). A unidade temática num repertório que atravessa décadas – incluindo ‘Medo de Amar’, de Vinicius de Moraes, ‘A Bela e a Fera’, de Chico Buarque e Edu Lobo, ‘À Distância’, de Roberto e Erasmo Carlos ou ‘Doce de Coco’ de Hermínio Bello de Carvalho e Jacob do Bandolim – implica o reconhecimento deste ideário que desfia paixão e desejo. Também os arranjos, escritos por Leandro Braga para piano, violoncelo, violino e percussão, e que aproximam este de álbuns como “Estava Escrito”, “As Aparências Enganam” ou “Pescador de Pérolas”, o sublinham. Mas mais importante será comprovar como a voz do quase septuagenário se adequa a minúcias interpretativas que só aí ganham plena expressão. Porque, em Ney, é frequente cumprirem-se as canções.
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