Vinicius de Moraes, o “poetinha” que bebendo “uisquinho” tantas vezes cantou sobre “barquinhos” e “prainhas” à “tardinha”, carregou apenas uma mágoa ao longo da década em que fez dupla com Toquinho: ter perdido para a mãe do seu mais íntimo colaborador a possibilidade de lhe encontrar alcunha ou hipocorístico. A tendência para o uso do diminutivo na música popular brasileira – que contribuiu significativamente para a poética da bossa nova – permanece generalizada, mas empregue pela dupla assumiu contornos identitários. Por exemplo, Lorenzo Mammi, o teórico italiano há anos docente na Universidade de São Paulo, sugeriu num ensaio que essa exagerada demonstração de afecto indicava uma resistência em reconhecer a produção artística enquanto trabalho, privilegiando antes relações de amizade. Por sua vez, José Estevam Gava, no livro “A Linguagem Harmônica da Bossa Nova”, sugere que o emprego do sufixo realiza “no âmbito das letras das canções, o mesmo que se pretendia em termos musicais: reduzir, abrandar, subtrair, acalmar… para, com efeito, obter-se a ideia de superlativo” – isto é, trata-se de um diminutivo quanto à forma e de um aumentativo quanto ao significado. Mas ouvindo frases como “se um pinguinho de tinta cai num pedacinho azul do papel” (em ‘Aquarela’), “quando um velhinho com uma flor assim falou” (em ‘O Velho e a Flor), “na emoção desse chorinho carinhoso te pede uma bênção” (em ‘Chorando para Pixinguinha’) ou “enquanto o mar inaugura um verde novinho em folha” (em ‘Tarde em Itapoã), outra hipótese ganhará sustentabilidade: que, em muitas das suas canções, Vinicius e Toquinho ensaiaram uma contínua aproximação ao universo infantil que Vinicius concretizaria só no seu último ano de vida (em 1980, com os dois volumes de “Arca de Noé”) e ao qual Toquinho, desde então, frequentemente regressou (de “Casa de Brinquedos”, em 1983, até “Canção dos Direitos da Criança”, em 1997). E, de certa forma, as interpretações incluídas nestes dois discos – que reeditam agora em separado o que em 1996 a Paradoxx lançou no duplo “Toquinho e Suas Canções Preferidas”, e que além de dezoito parcerias com Moraes incluem obras partilhadas com Jorge Ben, Chico Buarque ou Mutinho – confirmam esta impressão, centrando-se numa submissa e branda missão melódica e rítmica que, para o bem e para o mal, e embora exclusivamente dependente da destreza ao violão, nunca se desvia da sua matriz. Mas é também pela humildade e quase programática clareza com que o fazem que se adivinham os traços de carácter de alguém que – sendo autor – delas nunca se quis pôr à frente. E essa é uma invulgar lição que poucos conseguirão dar.
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