Findava a década de 60 e a música popular norte-americana alimentava-se a magia negra: em ‘Voodoo Chile’, Jimi Hendrix cantava sobre “jardins líquidos”, “luas vermelhas” e “minas de enxofre” enquanto mergulhava as cordas da guitarra num pantanoso blues de lama e plasma; em ‘Gris-Gris Gumbo Ya Ya’, Dr. John entregava-se numa lânguida cerimónia a um vaporoso e ritualista recitativo de receitas que incluíam “sangue de dragão”, “areias secretas” e “gatos pretos”; parecendo sintetizá-los, em ‘Miles Runs the Voodoo Down’, Miles Davis sugeria um jazz narcótico e possuído por todas as outras músicas que injectava directamente nas suas mais profundas raízes. Sem o conhecimento objectivo que a sua própria cultura, no Benim, estava impressa nessas matrizes, a Orchestre Poly-Rythmo ensaiava no mesmo momento uma expansão de ritmos tradicionais do vodu rumo ao soul e ao funk que, caso alguém por tal tivesse dado, teria alterado dramaticamente a produção musical dos últimos 40 anos. Mas, como se sabe, foi preciso aguardar pela edição de “Reminiscin' in Tempo” (PAM, 2003), “Kings of Benin Urban Groove, 1972-80” (Soundway, 2004), “Volume One: The Vodoun Effect, 1972-1975 Funk & Sato From Benin's Obscure Labels” (Analog Africa, 2008) e, sobretudo, de “Volume 2: Echos Hypnotiques From the Vaults of Albarika Store, 1969-1979” (Analog Africa, 2009), para que se desse enfim por aqueles que nem se supunha já entre os vivos. E se, de facto, nem todos efectivamente por cá andavam, não iriam – como Bembeya Jazz, Tom Zé, Orchestra Baobab ou Mulatu Astatke antes de si – desperdiçar os sobreviventes a hipótese de viver uma segunda vida. “Cotonou Club”, após os concertos que os levaram a correr mundo (passando por Portugal), é, primeiro, a celebração desse facto e, segundo, um testemunho de que o tempo do sagrado é eterno.
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