Segundo o FMI, Portugal está em 32º lugar na lista de países organizados por ordem do produto interno bruto nominal per capita; já a República Democrática do Congo, com US$186, está em 182º. No entanto estima-se que o valor dos seus recursos naturais se aproxime da soma dos PIBs da União Europeia e dos EUA. Por exemplo, os depósitos de urânio, cobre e cobalto a sudeste, em Katanga, têm servido de geopolítica moeda de troca, gerando crises (declaração de independência em 60, acções de rebeldes baseados em Angola em 77, operações do exército de Kabila nos anos 90) e, durante a Segunda Guerra do Congo, pairando como um abutre sobre as milícias. Lubumbashi, capital de província, é hoje um espelho da sociedade congolesa no pós-guerra, com os seus operários, mutilados, funcionários públicos, sem-abrigo, comerciantes, mercenários, consultores, desertores, missionários e uma produção artística reduzida a entulho. Vincent Kenis, que a norte gravou Konono Nº1 ou Staff Benda Bilili, aí documentou uma crua tradição – a karindula – que pouco fala sobre música e tudo diz sobre quem a ouve. Com material de arquivo – como o registado por Hugh Tracey na década de 50 – relaciona-se de forma convulsa e regressiva, trancada num labirinto formal de êxtase rítmico como se lhe fosse interdita uma identidade mais substantiva. Quatro bandas – cantores de olhos vidrados, dançarinos de pelve maleável, um zumbidor contrabaixo feito de um barril de petróleo e uma espécie de cavaquinho sem corpo – tocam por entre barracas junto a um esgoto a céu aberto; num gesto ritualista, um músico faz cortes na língua com uma lâmina de barbear e corre em direcção às crianças na assistência com sangue a pingar-lhe na t-shirt – elas ainda se assustam, depois riem-se, o mundo a ruir-lhes sob os pés.
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