4 de junho de 2011

“Afro-Beat Airways: West African Shock Waves, Ghana & Togo 1972-1978” (Analog Africa, 2010)

“É peculiar, esta consciência dupla”, escrevia W. E. B. Du Bois na alvorada do século XX, “a sensação de olharmos para nós próprios através do olhar dos outros, de medirmos a nossa alma pela fita métrica de um mundo que nos observa com desdém e piedade”. Reflectia sobre a experiência negra na sociedade norte-americana, mas, com o passar dos anos, encontraram as suas preocupações eco em nações africanas em luta pela independência – talvez em nenhuma mais do que no Gana, onde, em voluntário desterro, viria a falecer. Mas não só o seu exemplo orientou Kwame Nkrumah, o primeiro presidente ganês: Malcolm X visitou Acra e Maya Angelou aí residiu um par de anos. Terá, aliás, sido da escritora a ideia de promover um concerto que levasse ao país grandes nomes de expressão afro-americana. Quando, em 1971, por fim se realizou o Soul to Soul – com Wilson Picket, Ike & Tina Turner, Roberta Flack ou Santana – já Nkrumah havia sido expulso da pátria e só ao abrigo do chapéu-de-chuva roto do pan-africanismo passava o acto por outra coisa que não imperialismo cultural. Mas um resiliente espírito que deveria ser promovido a monumento histórico – o dos músicos locais – prosperava perante a adversidade, e, ainda que fosse impossível restaurar a liberdade que os visitantes davam como adquirida, ficaria provado que olharia para lá de onde a vista alcançava. Esta compilação – a referência ao Togo, representado por duas bandas, cumpre um ritual obscurantista – captura-lhe o gesto. A Apagya Show Band cria um enxame de grunhidos em torno de uma batida onanista, K. Frimpong contrapõe uma melodia vaporosa a um ritmo capaz de levantar um morto, Marijata autopsia o funk com precisão cirúrgica e Ebo Taylor derrama poesia sobre o vulto de Fela. Tudo de acordo com a única condição que lhes estava tatuada na pele: a do exílio.

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