“É peculiar, esta consciência dupla”, escrevia W. E. B. Du Bois na alvorada do século XX, “a sensação de olharmos para nós próprios através do olhar dos outros, de medirmos a nossa alma pela fita métrica de um mundo que nos observa com desdém e piedade”. Reflectia sobre a experiência negra na sociedade norte-americana, mas, com o passar dos anos, encontraram as suas preocupações eco em nações africanas em luta pela independência – talvez em nenhuma mais do que no Gana, onde, em voluntário desterro, viria a falecer. Mas não só o seu exemplo orientou Kwame Nkrumah, o primeiro presidente ganês: Malcolm X visitou Acra e Maya Angelou aí residiu um par de anos. Terá, aliás, sido da escritora a ideia de promover um concerto que levasse ao país grandes nomes de expressão afro-americana. Quando, em 1971, por fim se realizou o Soul to Soul – com Wilson Picket, Ike & Tina Turner, Roberta Flack ou Santana – já Nkrumah havia sido expulso da pátria e só ao abrigo do chapéu-de-chuva roto do pan-africanismo passava o acto por outra coisa que não imperialismo cultural. Mas um resiliente espírito que deveria ser promovido a monumento histórico – o dos músicos locais – prosperava perante a adversidade, e, ainda que fosse impossível restaurar a liberdade que os visitantes davam como adquirida, ficaria provado que olharia para lá de onde a vista alcançava. Esta compilação – a referência ao Togo, representado por duas bandas, cumpre um ritual obscurantista – captura-lhe o gesto. A Apagya Show Band cria um enxame de grunhidos em torno de uma batida onanista, K. Frimpong contrapõe uma melodia vaporosa a um ritmo capaz de levantar um morto, Marijata autopsia o funk com precisão cirúrgica e Ebo Taylor derrama poesia sobre o vulto de Fela. Tudo de acordo com a única condição que lhes estava tatuada na pele: a do exílio.
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