Sem comprometer uma identidade artística dependente do impacto emocional da sua mensagem, Marcelo Camelo revelou no seu primeiro disco a solo (“Sou/Nós”) uma visão ocasionalmente fraccionária e elementar dos constituintes da canção, arriscando invulgares assinaturas rítmicas, produzindo estruturas melódicas maleáveis, dirigindo arranjos de aparente instabilidade e criando uma espécie de campo de acção em que cruzava infinitamente ideário pessoal e memória colectiva – como se, após uma década ao serviço dos Los Hermanos a trabalhar com terra e fogo, tivesse passado a compor apenas com água e ar. O método parecia a mensagem, e, de forma irrepreensivelmente sintética, dilatou as fronteiras de uma linguagem poético-musical que não se supunha tão expansível, até, como as cápsulas do tempo que os cientistas lançam ao espaço, não se vislumbrar já outro material que melhor o representasse. Agora, com “Toque Dela”, dá dois passos atrás e retoma a linha enunciada pelos últimos temas que escreveu para a sua antiga banda – como ‘Dois Barcos’ ou ‘É de Lágrima’ – num ponto de irremediável cesura: precisamente o que tem origem em “Sou/Nós”. Resultam daí vários paradoxos – de que não será exemplo menor a sugestão do novo álbum poder soar simultaneamente anterior e posterior ao seu predecessor – e, de facto, nenhuma leitura linear se lhe ajusta (o que não surpreende, vindo de quem, com os seus vídeos assinados enquanto Orquestra YouTube, se interessou por exercícios de entropia musical). Mas, ainda que não imune ao proselitismo e à egolatria, “Toque Dela” redime-se sempre que ensaia actos de imprevisíveis consequências.
Sem comentários:
Enviar um comentário