14 de janeiro de 2012

L’Orchestre Kanaga de Mopti “Kanaga de Mopti” (Kindred Spirits, 2011)

Com Ali Farka nas fileiras, constitui-se nos anos 60 enquanto Bani Jazz mas o nominal anglicismo contraria a política de Modibo Keïta, que, à semelhança do que no Senegal e Gana fazem Léopold Senghor e Kwame Nkrumah, encoraja exclusivamente expressões artísticas de pendor “autêntico”. Por isso, já sob a liderança de Sorry Bamba, o grupo adopta a designação de Orchestre Régional de Mopti (é do período um fascinante registo em 1970 lançado na Europa pela alemã Bärenreiter). Só que após o Golpe de Estado de Moussa Traoré, para aparentar a superação ideológica do presidente deposto, as mais populares bandas do Mali são forçadas a mudar de nome, ainda que não se alterassem os condicionamentos à sua produção. E, de facto, a acção de Ambassadeurs du Motel, Rail-Band de Bamako ou Super Djata Band parece então desenhada por um zeloso folclorista. Com esta notável excepção que coloca a hipocrisia estatal a descoberto. Porque ao assumir para a Régional de Mopti uma identidade axiomática e etnicamente filiada num ‘obscuro’ povo (kanaga é uma das máscaras cerimoniais dos dogon), Bamba prova que a tutela sabe menos acerca da cultura do seu país do que, por exemplo, sobre danças cubanas: no ano seguinte ao da gravação de tão singular obra, na Biennale Culturelle de 1978, o júri do regime penaliza bandas que incluem ritmos latinos nas suas apresentações mas nada aponta aos sintetizadores e pedais de efeitos usados pela Kanaga de Mopti, presumindo, talvez, que tão invulgar proposta dependeria de conhecimentos profunda e esotericamente ancestrais mas inquestionavelmente malianos. Quando, na verdade, ainda que num irrepetível dispositivo formal (pois nunca mais gravaram Bamba ou a orquestra nestes moldes), da irredutibilidade geográfica se partia já para o cosmos e com o desconhecido se desassombrava uma ingrata realidade.

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