Veiculando
uma desadequada lassidão, primeiro no homónimo disco de estreia (“CéU”, 2005) e
posteriormente em “Vagarosa” (2009), Maria do Céu Whitaker Poças sempre pareceu
seguir procedimentos de produtor. O que, em abono da verdade, lhe garantiu mais-valias
comerciais e o favor da crítica. Mas no prudente equilibrismo formal desenhado
com o compasso do dub e temperado com
a indefinição do jazz que lhe marcava
o passo pressentia-se também uma contemporaneidade postiça, de curto alcance
intelectual e, a espaços, previsível unidimensionalidade. Só que a técnica não
tem de ser um estorvo. E, num enquadramento estético francamente livre e
apropriadamente errático, para o qual terá contribuído a ação de Gui Amabis,
Pupillo ou Dustan Gallas, este “Caravana Sereia Bloom”, na mesma proporção em
que aparenta uma mais realista objectivação processual, sugere uma expressão
autoral de rara clareza e dramática introspecção. E, numa elíptica narrativa equivalente
ao cinematográfico road movie que em
nada lhe compromete a fluidez, as suas canções reflectem as experiências da
estrada seguindo instintos de sonoplasta e um dispositivo tão dispersivo quão
restaurativo. Nessa medida, não surpreende que os seus momentos de maior acuidade
se encontrem em ‘Amor de Antigos’, ‘Retrovisor’ e ‘Baile de Ilusão’, temas
escritos pela cantora que tão bem traduzem esse desígnio ontológico, essa emulsão
da memória vertida para as páginas de um diário. Aliás, é pela combinação sincrónica
e não hierarquizada da matéria musical histórica (no caso: a guitarrada de
Mestre Vieira, o tropicalismo de Gil, a jovem guarda de Erasmo, o psicadelismo
de Rita Lee ou o regionalismo dos Novos Baianos) que Céu comunga finalmente da
mais distinta característica da sua geração: o repúdio do preconceito enquanto uma
libertária e extática revogação da apatia.
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