26 de maio de 2012

Thaís Gulin “ôÔÔôôÔôÔ” (Slap, 2011)


Só um disco assim – ainda que cá chegando um ano atrasado – conseguiria contrariar a contínua contração do mercado português face à mais importante música popular brasileira de hoje. Ajuda, nesse contexto, a formatação clássica de uma apresentação que tempera repertório original com material de cancionistas tarimbados (Chico Buarque, Tom Zé, Jards Macalé ou Adriana Calcanhotto), que inclui duetos de relativa fatuidade (precisamente Chico e Tom, nos singulares temas de que são autores), um soberbo naipe de instrumentistas (Daniel Jobim, Domenico Lancellotti, Marcelo Jeneci, Tutty Moreno ou Jaime Alem), compositores à medida de qualquer arranjo (Jacques Morelembaum ou Arthur Verocai), produtores medalhados (Kassin e Alê Siqueira) e que nem dispensa a cartada novela-das-oito com ‘Paixão Passione’, uma coisa meio bethânia saída da pena de Ivan Lins. Ou seja, tudo como se a indústria fonográfica de antanho não tivesse já com os dois pés na cova, quando é óbvio que só os bolsos combinados de mecenas privados e instituições públicas proporcionam o financiamento de uma ação de tais características. Está aqui implícito mérito, pois, com a retração do negócio e consequente perda de influência das editoras, se afiança que o estatuto marginal não é uma inevitabilidade (logo em 2011, quando a melhor música feita no Brasil – por Gui Amabis, Caçapa, Passo Torto, Pélico, Cícero ou pelo trio de Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França – esteve tão longe do centro das atenções). Mas Thaís Gulin não imagina tanto a restauração de um empório comercial quanto a possibilidade do Rio de Janeiro se tornar, novamente, uma cidade maravilhosa – daí o onirismo do seu samba, o ambiente mavioso em que mergulha as canções, o seu tom sonial. E essa distância da realidade chega para obliterar um presente que não serve a quase ninguém.

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