Eram
tempos de engenharia social, no mesocrático Peru de Juan Velasco Alvarado. Mas
a sediciosa onda que se ergueu no mar das Caraíbas, vinda de Cuba, chegada à
costa colombiana e assomando aos Andes, dir-se-ia um composto lisérgico capaz
de despertar mentes e estimular um bizarro código de transgressão estética solidamente
ancorado nos mais alienados espíritos. E só mesmo a distância das elites
impediu que um acto de transubstanciação tão similar ao ensaiado pelos
tropicalistas brasileiros, ainda para mais com mestiça fundação, escapasse a
constrangimentos de classe. Ficou por isso, porventura até à década de 80,
quase totalmente periférica aos centros de poder esta profética variedade da cumbia que acelerou partículas de son, bolero, rumba, merengue ou mambo no
acompanhamento de hipotéticas e heterodoxas reconfigurações tão devedoras do
rock’n’roll norte-americano que se ouvia na rádio quanto do folclore andino que
as províncias amazónicas e os bairros de lata de Lima celebravam. E foi, de
facto, a partir de 1966 que a sincrética composição despontou como uma mutante entidade
tropical. Logo atestada pelas guitarras elétricas de Enrique Delgado e
Manzanita, e de legiões de seguidores, reflectiu períodos de convulsão política,
paranóia militar, reação oligárquica, golpes e contragolpes numa utópica
combustão que uns viam como virose de bailarico de sábado à noite e outros como
uma abrangente ação contracultural. E adotando o livro de estilo do rock psicadélico
e de garagem (efeitos de delay, fuzz, overdrive, wah wah, etc), os seus agentes promulgaram
uma delirante realidade ameríndia na era de todas as fantasias ideológicas. Esta
nova antologia de 34 temas – com Destellos, Juaneco y su Combo, Ecos, Compay
Quinto, Mirlos ou Beta 5 – traça-lhe impacto epocal ambicionando a eternidade.
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