Numa
entrevista de março de 2009, disponível no site
do Expresso sob a designação “Música no coração das trevas”, dizia Renaud
Barret, um dos autores do documentário “Benda Bilili!”, que ninguém queria saber
desse bando de paraplégicos e meninos de rua de Kinshasa, acrescentando: “fomos
filmando o seu dia-a-dia sem saber bem o que fazer com aquilo… A sobrevivência
dos membros do grupo, os miúdos a dormir no chão, as histórias das prostitutas
de um dólar, os soldados completamente drogados, ladrões por todo o lado.
Ninguém consegue imaginar aquilo por que passaram”. Três anos depois, no embalo
de uma história que testemunhava a resiliência do espírito humano e a
capacidade de contrariar a mais adversa das sortes no mais hostil dos terrenos,
já o beneplácito crítico consagrado ao álbum de estreia, “Très Très Fort”, a
eufórica receção em palcos do mundo inteiro (Portugal incluído) e o próprio palmarés
do premiado filme constituem parte significativa de uma narrativa de aceitação
global que demoliu todo o tipo de preconceitos sem ceder à condescendência do
politicamente correto. E, no entanto, como não poderia deixar de ser, vozes
céticas se ergueram acusando os agentes ao seu serviço de terem precisamente explorado
aquilo a que nenhuma outra banda do mundo se nega: o direito de falar sobre o
lugar de onde vem e de refletir sobre a única vida que conheceu. Não será por passarem
a ter telhados sobre a cabeça, alimentarem famílias, matricularem filhos na escola
ou exornarem ainda mais as suas motas que os membros da banda alteram agora essa
primitiva realidade. Porque “Bouger le Monde” torna a reforçar a identidade
cultural da rumba congolesa como uma infiltração de humanidade num charco de
malevolência e a ouvir-se como um manifesto contra as paralisantes forças da comiseração
no mundo inteiro.
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