6 de outubro de 2012

Don Cherry “Organic Music Society” (Caprice, 2012)



Estamos em Bollnäs, na Suécia, a 23 de junho de 1971, num campo de férias para estudantes de música; Don Cherry, acompanhado pelo percussionista Okay Temiz, surge como professor convidado e, insistindo mais em entoação do que em notação, ensina a cerca de 50 instrumentistas ‘Bra Joe From Kilimanjaro’, do pianista sul-africano Dollar Brand e ‘Terry's Tune’, do compositor norte-americano Terry Riley, com uma indicação crucial: não há líder; os alunos terão de se ouvir uns aos outros para que se encontre o tempo natural do grupo. Onze dias mais tarde, na cúpula geodésica arquitetada por Buckminster Fuller para os jardins do Museu de Arte Moderna de Estocolmo, com os turcos Temiz e Maffy Falay ou o flautista sueco Tommy Koverhult, apresenta-se no âmbito da exposição “Utopia & Visões” tocando temas indianos, o ‘The Creator Has a Master Plan’, de Pharoah Sanders e Leon Thomas, e uma balada que no álbum “Relativity Suite”, a gravar com a Jazz Composer’s Orchestra, ganhará o título de ‘Desireless’. Já a 28 de julho de 1972, com a companheira, Moki Karlsson, numa comuna nos arredores de Copenhaga, na Dinamarca, está desde a noite anterior a aprender um hino cantado por um jovem brasileiro; às 6 da manhã regista enfim ‘North Brazilian Ceremonial Hymn’ a dez vozes, com Moki à tambura e Naná Vasconcelos, o visitante, no berimbau. “Organic Music Society” é feito disto: uma espécie de gnose em transe comunitário com infinita capacidade de encantamento e regeneração ritualista de credos holísticos e panteístas. Lançado há 40 anos e só agora reeditado em CD, é também o ponto na carreira de Cherry – onde cabe ainda uma sessão com Bengt Berger, Christer Bothén ou Hans Isgren a evocar China, Mali, Marrocos e Índia – em que todo o tempo (passado e futuro) flui e, como tal, vive melhor na mente do que no mundo; será essa a sua única derrota.

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