Estamos
em Bollnäs, na Suécia, a 23 de junho de 1971, num campo de férias para
estudantes de música; Don Cherry, acompanhado pelo percussionista Okay Temiz,
surge como professor convidado e, insistindo mais em entoação do que em
notação, ensina a cerca de 50 instrumentistas ‘Bra Joe From Kilimanjaro’, do
pianista sul-africano Dollar Brand e ‘Terry's Tune’, do compositor
norte-americano Terry Riley, com uma indicação crucial: não há líder; os alunos
terão de se ouvir uns aos outros para que se encontre o tempo natural do grupo.
Onze dias mais tarde, na cúpula geodésica arquitetada por Buckminster Fuller para
os jardins do Museu de Arte Moderna de Estocolmo, com os turcos Temiz e Maffy
Falay ou o flautista sueco Tommy Koverhult, apresenta-se no âmbito da exposição
“Utopia & Visões” tocando temas indianos, o ‘The Creator Has a Master
Plan’, de Pharoah Sanders e Leon Thomas, e uma balada que no álbum “Relativity
Suite”, a gravar com a Jazz Composer’s Orchestra, ganhará o título de ‘Desireless’.
Já a 28 de julho de 1972, com a companheira, Moki Karlsson, numa comuna nos
arredores de Copenhaga, na Dinamarca, está desde a noite anterior a aprender um
hino cantado por um jovem brasileiro; às 6 da manhã regista enfim ‘North
Brazilian Ceremonial Hymn’ a dez vozes, com Moki à tambura e Naná Vasconcelos,
o visitante, no berimbau. “Organic Music Society” é feito disto: uma espécie de
gnose em transe comunitário com infinita capacidade de encantamento e regeneração
ritualista de credos holísticos e panteístas. Lançado há 40 anos e só agora reeditado
em CD, é também o ponto na carreira de Cherry – onde cabe ainda uma sessão com
Bengt Berger, Christer Bothén ou Hans Isgren a evocar China, Mali, Marrocos e
Índia – em que todo o tempo (passado e futuro) flui e, como tal, vive melhor na
mente do que no mundo; será essa a sua única derrota.
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