11 de julho de 2015

Leguizamón: El Cuchi Bien Temperado (ECM, 2015)



A Gustavo “El Cuchi” Leguizamón (1917-2000), docente, poeta, compositor e famoso tribuno argentino, devem-se criações tão indecentemente idiomáticas quanto ‘Chacarera del expediente’, com a figura do comissário de polícia corrupto, do prisioneiro inocente e do advogado negligente numa conversa tão surda que nem Deus a ouve. Ou ‘Coplas de Tata Dios’, também essa, entre outras, denunciando a tirania do messianismo religioso. Estão ambas aqui, embora à primeira vista descontextualizadas. Afinal, o guitarrista Pablo Márquez dispensa a palavra. Mas, tal como fez há uns anos Carlos Martínez com originais de Atahualpa Yupanqui, a verdade é que nem por isso deixa de prosseguir por sulcos abertos pelo buril do verbo. Dir-se-ia uma atitude herdada da sala de aulas: aos 13 anos, Márquez teve Leguizamón como professor de História sem por um segundo suspeitar que se tratava do autor de tantas das suas zambas preferidas; quando finalmente o descobriu, terá sido como se nunca o tivesse ignorado, tão indistinguíveis lhe pareceram então pedagogia e poesia. De igual modo crê agora na mensagem sem a muleta da métrica. É um gesto de independência que o homenageado apreciaria, e um que lhe permite prescindir de um programa que, sob outra perspetiva, teria forçosamente de incluir canções como ‘Balderrama’, ‘La pomeña’, ‘La arenosa’, ‘Chacarera del Chacho’ ou ‘Lloraré’, daquelas que se colaram ao longo dos anos à voz de Mercedes Sosa, por exemplo. Mas, melhor ainda só mesmo um pantagruélico título que, evocando o Bach de “O Cravo Bem Temperado”, se pode traduzir por “O Porco Bem Temperado”.

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