4 de julho de 2015

Mario Pavone “Blue Dialect” (Clean Feed, 2015)


Entre tantos desencontros, verifica-se sempre o fluxo da vida nestas gravações em trio de Mario Pavone. Como a expressão inevitável de uma inteligência muito inoportuna. E não será por – contrariamente a Picasso – parecer evoluir o contrabaixista da ‘fase rosa’ para o ‘período azul’ (agora ao lado do pianista Matt Mitchell e do baterista Tyshawn Sorey, compare-se este “Blue Dialect” com o exuberante “Arc Trio”, seu predecessor, gravado esse com Craig Taborn e Gerald Cleaver), que a Clean Feed iria deixar de afiambrar uma fatia da sua obra. É Pedro Costa, diretor e produtor executivo da editora lisboeta, que o relembra quando, em notas de apresentação, sugere estar há quinze anos à espera deste extraordinário disco. Mais que o reconhecimento de uma contingência, dir-se-ia a generosa confissão de uma necessidade. Uma extração a um carinho antigo, irredutível, eloquente, radical, só vagamente embaraçado por tudo quanto o inibe. Quem o conseguir esclarecer verá explicada a relação entre editores e editados. Tal como logo saberá ao que vem quem neste trio discernir uma instintiva repulsa face à força de qualquer tutela, não obstante a delicadeza com que, em termos estruturais, se acomoda a sua subordinação à figura de um líder. Porque aqui, distante da hierarquia e do arcaísmo, quiçá mais próximo da alquimia, cedo se deteta a maresia daquela música, a três ou não, que, no jazz, permitiu a libertação da tipologia do trio, ou de outra qualquer, precisamente pela alforria reclamada pelos contrabaixistas – pelos avanços culturais, e não somente comportamentais, de Mingus e LaFaro ou de Swallow e Haden, mas também por uma possível perceção íntima do instrumento que tocavam. A emancipação de um dialeto que nunca se sabe de cor, discreto e discursivo em simultâneo, que rouba o nome às coisas e que, talvez por isso mesmo, se torna mais fluente em todas. Um dialeto tingido de azul.

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