16 de abril de 2016

“Soul Sok Séga: Séga Sounds from Mauritius 1973-1979” (Strut, 2016)



Na ilha de Madagáscar viveu um dia um pássaro que media três metros, pesava meia tonelada e que fazia com as suas elefantíacas patas estremecer o chão a cada passo. Mas também aí se reuniam condições físicas e geográficas para a subsistência do camaleão-pigmeu. “Muitos dos seres vivos mais aberrantes do mundo se encontram em ilhas”, afirma David Quammen em “The Song of the Dodo”, um marco na escrita jornalística aplicada à História Natural. “Há gigantes, anões, artistas transversais, não-conformistas de todo o género, criaturas improváveis que habitam as zonas mais remotas do planeta e da imaginação. Na ilha de Komodo vive aquele dragão carnívoro de que todos já ouvimos falar; nas Galápagos, uma iguana que mergulha e se alimenta de algas; entre outros distintos marsupiais, a Austrália possui o canguru e a Tasmânia o diabo. A Maurícia tinha o dodô. As ilhas são um santuário e um terreno fértil para o surgimento do único e do anómalo. São laboratórios para a mais extravagante experimentação evolucionária.” Sem tirar nem pôr, o mesmo se poderia dizer da espúria expressão estética insular do Homo sapiens que este "Soul Sok Séga" tão bem ilustra através de ensaios tangenciais ao funk e à soul que, chegando a sugerir pontos de chegada comuns aos do cânone ocidental, não deixam de parecer o resultado de estirpes evolutivas bem diversas. Claro que Quammen não fala de música no seu livro. Mas durante as semanas que passou na ilha, em trabalho de campo, dizia algo da decrescente popularidade do séga que os seus jantares num hotel de Porto Luís tivessem como pano de fundo os sons de um organista que tocava versões de Burt Bacharach. Hoje, um ségatier como Menwar refere-se assim ao desaparecimento do ravanne (o instrumento base do séga, tocado ao jeito do adufe): “Caiu em desuso com a introdução da bateria, da tabla e do djembê. Mas mantém-se um símbolo. É como o dodô.” Documentando a produção de figuras como Ti L’Afrique, Jean-Claude, Coulouce, Ramone ou Claudio, esta exemplar compilação lembra ainda que a dramaturgia da vida de cada um se sobrepõe frequentemente à teoria que torna tangível o comportamento das espécies. Mas, a partir dela, que não se venha dizer o mesmo que concluiu Quammen acerca do canto do dodô: que não se sabe como era porque ninguém se deu ao trabalho de o ouvir.

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