6 de agosto de 2016

Jazz em Agosto 2016: Sons do Abismo



Não se tratam propriamente de sessões de leitura. Mas não deixam de gozar de ares de séance, estas “conversas” entre David Toop e Evan Parker que a Fundação Calouste Gulbenkian se prepara para acolher (“em inglês, com recurso a exemplos áudio”, diz o programa). Aliás, a primeira (hoje, 18h30, Sala Polivalente, entrada livre) possui, até, um título promissoramente mediúnico: “Sharpen Your Needles: Deep Listening to Extinct and Endangered Musics”. Já a segunda (“Into the Maelstrom: Free Improvisation”, amanhã, à mesma hora, no mesmo lugar) terá como ponto de partida o mais recente livro de Toop, “Into the Maelstrom: Music, Improvisation and the Dream of Freedom”, consagrado às éticas e estéticas da improvisação livre no período do pós-guerra. Saberá ao que vai quem se lembrar desta passagem de “Descida ao Maelstrom”, de Edgar Allan Poe: “Quando se agita ao máximo e quando a sua força é aumentada por uma tempestade, é perigoso aproximar-se mesmo a uma milha de distância. Barcaças, iates e navios são arrastados por não se acautelarem antes de se encontrarem ao alcance da sua esfera de atração. Acontece muito frequentemente que as baleias vêm demasiado perto da corrente e são dominadas pela sua violência; e é impossível descrever os seus uivos e rugidos perante a inutilidade dos esforços para se libertarem.” Ainda que procedendo com todo o cuidado, é óbvio que Toop e Parker irão tentar descrever esses sons saídos do abismo. E, para mais, Parker permanece um protagonista incontornável desta experiência. Agora, como pede o velho do conto de Poe, vamos só ver se acreditamos em todas as histórias incríveis que terá para nos contar.

Seja como for, há lições neste novo livro de Toop que se poderiam aplicar a todo o programa do Jazz em Agosto. Principalmente quando afirma coisas como esta: “Tal como a música improvisada, também na vida se dá este perturbador conflito entre o previsível e o contingente.” Além do mais, quando se pensa nas atuações previstas para hoje (o trio Pulverize the Sound, com Peter Evans, Tim Dahl e Mike Pride, 21h30, Anfiteatro ao Ar Livre), para segunda-feira (o quarteto Tetterapadequ, com Daniele Martini, Giovanni Di Domenico, Gonçalo Almeida e João Lobo) ou para quinta (o trio de Ava Mendoza, com Tim Dahl e Sam Ospovat), é uma frase de Toop que vem à memória: “Sente-se, não faça nada: isto é improvisação. Permita que pensamentos dispersos, tremores internos, impressões sensoriais lhe passem através do corpo. Escutar é improvisar: peneirar, filtrar, priorizar, colocar, resistir, comparar, avaliar, rejeitar, tirar prazer do som e da ausência do som; fazer julgamentos imediatos e premonitórios de sinais multifacetados; contrabalançá-los com a estática do pensamento.” Por sua vez, propostas como as de Eve Risser (amanhã à noite, à frente da White Desert Orchestra), de Petite Moutarde (terça, com Théo Ciccaldi, Alexandra Grimal, Ivan Gélugne e Florian Satche e projeção de filmes de Clair, Duchamp ou Man Ray), de Tuba and Drums Double Duo (quarta, com Sérgio Carolino) ou de Z-Country Paradise (grupo liderado pelo saxofonista Frank Gratkowski mas dedicado à canção) parecem sugerir que, neste turbilhão de caos e desordem, compor se pode revelar a mais utópica das estratégias. Jamais distante da quimera, o festival prossegue até dia 14.

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