11 de março de 2017

Mary Halvorson Octet “Away With You” (Firehouse 12, 2016)



Com Mary Halvorson as coisas nunca são bem o que parecem. Num tratado humorístico acerca da origem das espécies criativas norte-americanas poder-se-ia, até, falar de um carácter ambígeno na sua produção: Mary vem de Brookline, no Massachusetts, embora dê mostras de proceder de estirpes artísticas naturais de Brooklyn, em Nova Iorque. Ou seja, entre muitas outras coisas, e à primeira vista, sobressai na sua música uma adesão simultânea a duas condições radicalmente diferentes: uma que se vê obrigada à formalidade e outra que tudo deve à coloquialidade. Prolongando a analogia, e generalizando, diga-se por exemplo que Brookline, rodeada de universidades, é a área com mais doutorados per capita dos EUA, enquanto Brooklyn, um dos epicentros da arte de rua, se destaca por albergar aquele tipo de coletivos que desafiam preceitos académicos. Na prática de Mary, porém, nenhuma tendência prevalece. Pelo contrário, consideram-se cada vez mais aspectos e variáveis dos dois campos: há composições que se assemelham a charadas musicais e que no entanto saltam da partitura como forças da natureza; há improvisações de ímpeto inquebrantável que se revelam francamente lúcidas no contexto da expressão de grupo. Isto é, todos os elementos se envolvem e, contudo, nenhum se deixa absorver inteiramente pelo outro. Talvez seja de família: o pai de Mary é arquiteto paisagista.

Mas nada é assim tão simples. E menos ainda este “Away With You”, o melhor disco da guitarrista até ao momento e aquele em que se encontra a gerir mais forças contrastantes: as de um septeto, que se imagina a ansiar por estes temas, a sentir-se fascinado por eles, a desejá-los e a ter consciência que não está inteiramente preparado para os possuir (Susan Alcorn na guitarra pedal steel, Jonathan Finlayson à trompete, Jon Irabagon no saxofone alto, Ingrid Laubrock em tenor, Jacob Garchik ao trombone, John Hébert no baixo e Ches Smith à bateria). Ouvi-los é como olhar para o grafismo da capa e pensar: que ilustração é aquela? Serpentinas ou línguas de fogo, cobras ou fitas de cetim? Talvez seja isso tudo ao mesmo tempo.

Sem comentários:

Enviar um comentário