5 de maio de 2018

Dave Holland, Evan Parker, Craig Taborn, Ches Smith “Uncharted Territories” (Dare2, 2018)

Quando no passado dia 2 de março subiram ao palco do clube de jazz Vortex, em Londres, dir-se-iam velhos camaradas de armas reencontrados. E é possível que na assistência os imaginassem a pôr o calendário a andar para trás nos bastidores enquanto comparavam barrigas e diziam bem dos vivos e melhor dos mortos e se punham à cata de fotos nos telemóveis e a recomendar urologistas um ao outro. Mas Dave Holland e Evan Parker não vinham armados, apenas, com 50 anos de recordações na bagagem: tinham bem presente a gravação deste prodigioso “Uncharted Territories”. Até, porque, lá está, estas duas veteranas e venerandas figuras da música improvisada britânica não haviam tocado, assim, tantas vezes em conjunto: uma vistoria rápida às prateleiras atribui-lhes créditos partilhados em “Karyobin”, do Spontaneous Music Ensemble (Island, 1968), “Fables”, de Company (Incus, 1980), “The Ericle of Dolphy” (Po Torch, 1989) e “Music for Large and Small Ensembles”, de Kenny Wheeler (ECM, 1990). 

Aliás, já agora, que se passam as estantes em revista, e tendo em conta o título deste novo disco que partilham, pega-se em “Portugaliae Monumenta Cartographica” e dá-se no prefácio com uma frase batida: “Há momentos Históricos que são decisivos para a vida dos povos.” Num documentário sobre Dave Holland, inclusivamente de modo a explicar esta falta de convergência com o percurso de alguém com que possui muito em comum, esse momento equivale àquele telefonema que recebeu também há 50 anos e em que lhe davam três dias para fazer a mala e se apresentar em Nova Iorque ao serviço de Miles Davis. De facto, o resto foi História. Nessa perspetiva, “Uncharted Territories” é, de novo, uma emancipação – um gesto a favor de uma arte pura que depende de cada partícula de som tanto quanto a História deriva de cada segundo que passa, a insinuar situações e sentimentos que só na mente de quem a ouve se concretizam. Há um aforismo de Andy Partridge, que a capa deste disco lembrou, que diz que a “vida é como um puzzle”: que nos dá as peças a direito mas nos deixa um buraco no meio. Esta música enche esse vazio.

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