12 de janeiro de 2019

Joyce Moreno “50” (Biscoito Fino, 2018)

Joyce Moreno revisita o repertório do seu primeiro álbum – editado há 50 anos, tinha ela 20 – e o que traz à lembrança são os versos de “Ritorno”, do poeta Giorgio Caproni: “Lá regressei/ aonde não estive jamais// Nada, do que nunca foi, entretanto mudou// Continua tudo exatamente como em tempo nenhum.” Isto, porque Joyce não se preocupa em demasia com a irreversibilidade do tempo. Em fevereiro de 2015, aliás, quando publicou no seu blog a foto que está agora na capa deste seu CD, dizia adorar “as marcas do tempo em [suas] mãos”, que nela “o temor do tempo não se expressa no medo de perder a beleza física”. Por tudo isto, recordar os sonhos de 1968 serve de pretexto para proceder ao que Svetlana Boym, em “The Future of Nostalgia”, caracterizava como uma espécie de “arqueologia do presente”: pois, “aquela cantora-menina amadureceu”, confessa Joyce em notas de apresentação. “Sempre me perguntei como seria refazer esse disco com o que aprendi ao longo dos anos. Com o tempo, fui ficando mais moça”, conclui. 

Uma frase que, por sinal, vem de um dos dois inéditos de “50”, numa parceria com Zélia Duncan – o outro, um hino ao que Reinhart Koselleck apelidava como “espaço de experiência”, é ‘A Velha Maluca’. Em 2015, quando refletia sobre o assunto no seu blog, Joyce acrescentava que “o tempo só [a] assusta num aspecto: é porque sempre [teve] a certeza de que [vai] viver muito”, e “o Brasil não gosta de velhos”. Certos sectores da sociedade brasileira, então, nem dos novos de 1968 gostavam: nem de Joyce nem de alguns dos seus convidados, aqui, como Marcos Valle, Roberto Menescal, Francis Hime e Toninho Horta. Como tal, não se entenda “50” ao jeito da nostalgia restaurativa de Bolsonaro. Na sua estreia, no ano em que a ditadura militar emitia o decreto AI-5, Joyce celebrava a dimensão menos instrumentalizável das relações humanas e a atração pela imprevisibilidade da comunicação quando guiada pelos sentidos. Voltar a essa cena, a esse som, a essa dor, a esse dom, é lembrar a frase de Kundera e aceitar que a sua luta contra o poder “é a luta da memória contra o esquecimento”.

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