26 de janeiro de 2019

Schumann: Cello Concerto, Adagio and Allegro, etc (Erato, 2018)

Dir-se-iam encaixar perfeitamente um no outro, Capuçon e Schumann, tivesse tido o compositor um pouco mais de consideração pelo violoncelo – afinal, dedicou uma década ao piano antes de “erguer a cabeça e olhar em roda”. Aliás, em 1845, no ano do “Concerto para Piano”, já com uns opúsculos camerísticos na gaveta e quando trabalhava na segunda sinfonia, Schumann confessou ter adquirido por completo uma “nova forma de compor”, menos dependente de “fogachos de inspiração”, convertido que ficava ao que lia num tratado de A. B. Marx: “Ao longo da vida podemos ter a sorte de nos sairmos com uma ou outra boa ideia, mas a nossa capacidade de produzir não se pode sujeitar a algo tão arbitrário.” Além de que a retórica de Marx advogava que se fizesse música sem o auxílio de instrumentos: “Só desse modo chegaremos a desenvolver o nosso trabalho com total independência”. Isto é, Schumann afastava-se daquele tempo em que, guiado pela intuição, como recorda Dana Gooley em “Fantasies of Improvisation”, fazia apontamentos como: “Quão prolongada e ilimitadamente improvisei! E a cada pequena pausa, por mais breve que fosse, ia-me apercebendo do quanto estava a progredir.” 

Agora, por mais que o repertório à sua disposição não se meça pela mesma bitola, nada disto invalida que Capuçon ponha uma capa em cima dos ombros e faça jus a esse super-herói da espontaneidade que ao teclado criou “Davidsbündlertänze”, “Carnaval”, “Kinderszenen”, “Kreisleriana” ou “Fantasie”. De facto, aqui, principalmente nas obras gravadas com Argerich, como “Adagio e Allegro”, Op. 70, onde permanece convincentemente lírico, nas “Fantasiestücke”, Op. 73, em que a sua reação ao andamento final – “schneller und schneller” – traz à memória décadas de figuração em filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, e nas “Fünf Stücke im Volkston”, Op. 102, o francês prova-se exemplarmente romântico. Mas é nas “Fantasiestücke”, Op. 88 (em trio, com o seu irmão no violino), e no “Concerto para Violoncelo”, Op. 129, que evita qualquer gesto espúrio e opta, antes, pelo humor e humildade que conferiram sentido aos últimos dias de Schumann. E, isso, nem Maisky (que gravou com Argerich), nem Schiff (que gravou com Haitink) fizeram.

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