2 de fevereiro de 2019

Joe Lovano "Trio Tapestry" (ECM, 2019)

Tinha Lovano uns 18-19 anos, nos seus tempos de estudante, em Berklee, não havia rádio universitária que não passasse duas canções chamadas ‘Tapestry’: uma, a de Carole King, falava de uma tapeçaria que se podia “ver e sentir” mas que, ainda assim, como uma mortalha, permanecia “impossível de agarrar”; a outra, a de Don McLean, repetia mais ou menos o que Rilke havia escrito em “Cartas a um Jovem Poeta”, que “o destino é como um tecido maravilhoso, amplo, no qual cada fio é conduzido por dedos de uma delicadeza infinita, posto ao lado de outro fio” e, por fim, “ligado a centenas de outros que o sustentam”. Ai, o que esta gente não teria dado para ficar de molho no Ganges a ler a poesia de Rabindranath Tagore: “A mesma torrente de vida/ Que dia e noite percorre as minhas veias/ Também percorre o mundo/ E dança em ritmo perfeito/ É a mesma vida que o fluxo e refluxo do mar embalam/ O berço do nascimento e da morte.” Lovano não foi ao Ganges, mas pelos vistos chega-lhe o Hudson e é daí que agora apresenta esta “tapeçaria musical” pronta a entrelaçar “atmosferas e estados de espírito” e temas de “natureza serena”. Como concluiu Borges, “a história universal talvez seja a história de umas tantas metáforas”. 

Então, numa leitura praticamente ontológica, não é de estranhar que o disco de Lovano que menos deve à tradição do jazz seja o mesmo que mais se dedica a refletir sobre a origem das coisas, embora o seu autor, nos materiais promocionais da ECM, venha falar de uma gravação que não só indica “onde estou” como também “onde estive e onde poderei vir a estar” – devia ter na capa uma representação de Jano, o deus grego do tempo, da mudança e da transição, com uma face virada para o passado e outra para o futuro. Talvez por isso tanto se detetem aqui as marcas da cerimónia: em lentas procissões guiadas por gongos, em longos sopros que se diriam durar o tempo que demora um pau de incenso a arder, em suaves acordes que agitam as doze notas da escala cromática como que se fossem as doze pétalas do chakra do coração. Artificioso para uns, mas absolutamente adequado para Joe Lovano, Marilyn Crispell e Carmen Castaldi, trio que sabe que há muitas maneiras de se chegar à fonte.

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