2 de fevereiro de 2019

Mozart: Sonatas for Fortepiano & Violin, Vol. 1 (Harmonia Mundi, 2019)



Numa carta enviada ao pai, em 1777, Mozart falava de uns pianoforti novos cuja sonoridade era singular: “Nunca destoa, nunca é demasiado forte nem demasiado fraca nem fica completamente ausente. [Além do mais, estes] instrumentos têm sobre os outros a esplêndida vantagem de serem construídos com mecanismo de escape, sem o qual é impossível evitar ruídos e vibrações após a nota ter sido percutida.” Enfim, se o seu objetivo era, mesmo, arruinar o romance, só faltava tratá-los por “máquina” e dizer que os tinha ficado a admirar em silêncio enquanto limpava as mãos com desperdício e despia o fato-de-macaco! Mas, não admira, então, que haja quem vislumbre num pianoforte do período o mesmo que a personagem interpretada por Richard Attenborough em “Parque Jurássico” via num mosquito conservado em âmbar. Curiosamente, na revista “Strad” deste mês, é o próprio Alexander Melnikov que vem desfazer a ilusão: “Não temos propriamente fé nessa ideia mirabolante da interpretação historicamente informada, de fazer as coisas tal como eram na altura – mas tentamos tocar nos instrumentos certos e pelo menos imaginá-lo.”

Nesse capítulo, dir-se-ia que ninguém como os dois o fez tão bem nos últimos 40 anos, vá lá, que é para não termos de ir à pré-história, como o outro – nem Sigiswald Kuijken e Gustav Leonhardt (RCA), nem Fabrizio Cipriani e Sergio Ciomei (Cantus), nem Enrico Gatti e Laura Alvini (Arcana), que ora davam com o caruncho barroco, que veio imediatamente antes de Mozart, ora com o romântico, que veio depois. Quer isto dizer que é possível que Faust e Melnikov venham a estar em instrumentos de época para estas sonatas como estiveram Grumiaux e Haskil em instrumentos modernos – de facto, não há memória de tamanha subtileza tímbrica, de uma dinâmica tão expressiva, nem, ao mesmo tempo, de uma articulação tão clara e de um tão grande equilíbrio interno quanto o que aqui possuem. Em particular nas ‘Palatinas’ (K. 304 e K. 306), eis que regressa aquele Mozart que reagia a cada revés da única forma que podia e sabia: colocando-se ao lado da sua música e libertando assim as demais.

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