15 de junho de 2019

Aki Takase "Hokusai" (Intakt, 2019)

Nas notas de apresentação deste disco, a certa altura, Aki Takase explica que, para si, a “música é como uma cor”: o azul-claro, por exemplo, associa à delicadeza. E, aqui, revela que se sente invadida por azul ao tocar uma peça como ‘Silent Landscape’ (porventura a coisa mais bela pela qual se dá ao escutar o punhado de álbuns que gravou a solo). De repente, parece que estamos outra vez em 1993, com a Juliette Binoche de “Três Cores: Azul” e o Derek Jarman de “Blue” a veicular uma arquitetura dos sentidos tão pitoresca e monocromática quanto a de Chefchaouen e Jodhpur e com Aki a lançar “Blue Monk” – cada qual exorcizando o azul que Caetano chamou de “nome mais belo do medo”. Agora, à boleia do Azul da Prússia em xilogravuras de Katsushika Hokusai, dir-se-ia que se busca antes o do consolo. Virá certamente com a idade. E, no caso, sem qualquer fatalismo, trazendo à memória aquela espécie de pós-escrito com que Hokusai finalizava a série “100 Vistas do Monte Fuji”, em 1834: “Desde pequeno que tenho a mania de rabiscar a forma de tudo e mais alguma coisa. Aos 50 tinha já uma série de desenhos publicados. Contudo, nada do que fiz até aos 70 deve ser levado em consideração. Lá para os 75, no entanto, serei capaz de reproduzir os padrões da natureza – em animais, plantas, árvores, pássaros, peixes e insetos – e aos 80 e picos já se hão-de notar progressos. Aos 90 estarei pronto a atingir o âmago da criação e aos 100 é provável que chegue ao sublime. Depois, tudo o que fizer – cada ponto, cada linha – saltará animadamente da tela.”

Takase gravou este “Hokusai” aos 70, mas, ouvindo com atenção, é muito possível que tenha antecipado ao piano tanto daquilo que espera vir ainda a conseguir em vida: clarificar um crepúsculo contínuo em que as constelações se cruzam com uma incoerência que é só delas e que chega não se sabe bem de onde – lembrando que “o dia morrendo em noite é um mistério”, como dizia Clarice Lispector. Ao invés, Takase fala em “sonhar acordada”. Citando Murakami (em cujo clube de jazz, enquanto jovem, Aki tocou): “Sonho – por vezes é a única coisa certa a fazer.” É isso: um sonho azul.

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