22 de junho de 2019

Dexter Gordon “At The Subway Club, 1973” (Elemental, 2019)


Sabia-se do apreço de Dexter Gordon pelas palavras – para o confirmar, preste-se atenção ao modo em que nos seus álbuns ao vivo, como aqui, completava com versos inteiros os títulos das canções à medida que as ia apresentando. Mas receava-se que o mundo da literatura lhe estivesse vedado – isto, se excetuarmos as linhas de “Pela Estrada Fora” em que as personagens de Kerouac imitavam as síncopes convulsas de Gordon e Wardell Gray em ‘The Hunt’. Assim, em boa hora foi dado ao prelo “Sophisticated Giant: The Life and Legacy of Dexter Gordon”, completado pela sua viúva, Maxine, mas derivado em grande parte dos cadernos em que foi anotando apontamentos biográficos a partir de 1987, logo após ter sido nomeado ao Óscar de Melhor Ator pelo seu papel em “À Volta da Meia-Noite”. Vivia então em Cuernavaca, no México, onde viria a comemorar um aniversário especial, com este brinde: “Se me dissessem que iria estar presente na festa dos meus 65 anos, não acreditaria. É um milagre. E deve-se ao jazz. Tantos amigos, tantos grandes músicos morreram tão jovens. Mas permanecem comigo… Só peço que ninguém os esqueça.”

A falar, parecia soltar as sílabas com cuidado para que não lhe ferissem a garganta, como se lhe viessem à boca para envenenar a unidade linguística, amordaçadas pelo enfisema, sufocadas pelo cancro da laringe que o viria a matar. Era mesmo assim. “Uma vida dedicada à improvisação não pode seguir as regras de mais ninguém. O que acarreta uma série de problemas, se tivermos em conta o que um observador comum qualificaria como comportamento aceitável numa sociedade que não compreende bem o que é a arte, nem sabe que sem música não há nada”, escreveu. Não admira, por isso, que, a tocar, a partir de certa altura, não ocultasse as “deceções consigo próprio, os triunfos, as derrotas e as desonestidades”, por tão claramente possuir o “desejo de ser, de uma ou de outra forma, poeta da vida”. Isto não foi Dexter que escreveu – foi Malcolm Lowry, uns anos antes, mas igualmente a partir de Cuernavaca, quando tentava explicar por carta a relação com a música de um personagem de “Debaixo do Vulcão” ao seu editor. É o que se sente ao escutar estas gravações em Colónia (1973), Haia (1971) e Estugarda (1965), do período em que, como dizia, Dexter veio uma noite à Europa para tocar no Ronnie Scott’s e quando reparou tinham passado 14 anos. Sempre a espalhar milagres pelo palco, só para ver se sobrevivia.

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