27 de julho de 2019

Rachmaninov: Piano Trios (Harmonia Mundi, 2019)

Começa o “Trio Elegíaco Nº1” (1892), com violino e violoncelo em corda solta, e é nos ondulantes campos de trigo e centeio da estepe que se pensa, nomeadamente os que cercam a herdade de Ivanovka, onde Rachmaninoff veraneava. De um andamento apenas (em Sol menor), marca-o a mesmice de um motivo melódico de quatro notas, porventura herdado de Tchaikovsky, cuja estaticidade não implicava forçosamente imobilidade de humores, como bem se sabe. Seja como for, aqui, até a inércia é romantizada, com fogachos folclóricos que recordam uma frase do compositor: “Mais do que os povos de outras nacionalidades, os russos sentem uma profunda ligação à terra, derivada de uma predisposição natural para a quietude, para a contemplação e, porventura, de uma eremítica demanda pela solidão.” Mesmo no fim da peça, após a recapitulação, ali, aos onze minutos (e é verdade que o Wanderer manteve o pé no acelerador neste CD), quando a mão esquerda do pianista é despachada para o abismo, é como se no campo dobrassem os sinos por quem morre longe da terra em que nasceu, espécie de funeral sem missa de corpo presente. 

Que terá sido precisamente o tipo de onda de choque que Rachmaninoff sentiu ao lhe chegarem as notícias do falecimento de Tchaikovsky em Paris, em novembro de 1893, e que imediatamente traduziu no lutuoso ostinato de linearidade descendente com que, na hora, iniciou o “Trio Elegíaco Nº 2”, escrito em reação ao desamparo e, até, à descrença – pois a verdade é que tinha 20 anos e na sua mente confundia-se o desaparecimento dessa sua pretérita influência com o da sua irmã, Yelena, que na adolescência havia sido a primeira a mostrar-lhe obras de Tchaikovsky. Como seria de esperar, possui como modelo o próprio “Trio em Lá menor” com que esse seu insigne predecessor havia por sua vez homenageado Nikolai Rubinstein – de modo flagrante na melodia do segundo andamento – e graças à acentuada inclinação sinfónica da peça chega a mitigar o desconsolo (rondam uma e outra os 45 minutos). Mal conclui, a ideia que fica é que o Trio Wanderer lamenta acima de tudo a poesia que do mundo se perdeu quando Rachmaninoff, pouco depois, e para sempre, renunciou à música de câmara – e não é para menos.

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