Como é que dizia a canção de Ivan Lins e Vítor
Martins? “Começar de novo/ E contar comigo/ Vai valer a pena/ Ter amanhecido/
Ter me rebelado/ Ter me debatido/ Ter me machucado/ Ter sobrevivido”. Podia ser
o mantra de Fred Hersch, que, após ter entrado em choque séptico, em 2008,
passou dois meses em estado larval, tendo sido sujeito a uma traqueostomia e a
tratamentos diários para a insuficiência renal, com mais tubos que um parque
aquático, até, por fim, acordar sem sequer saber se voltaria a falar, a ingerir
sólidos, a andar ou, como é óbvio, a tocar piano. Faltando só um livrinho de
Oliver Sacks, trata-se de uma provação documentada em “My Coma Dreams” (um DVD),
em “Good Things Happen Slowly” (a sua autobiografia) e em “The Ballad of Fred
Hersch” (um documentário), mas, desde então, numa boa dezena de álbuns a solo,
em duo e em trio, com nenhuma ou pouca representação em disco. Daí entender-se
este “Begin Again” não tanto quanto a fase inicial de um processo de
reabilitação mas, sim, como a prova da sua transcendência, no sentido em que
mais do que recuperar funções perdidas, o que fez há muito, Hersch dá mostras
de as superar, aceitando um convite para fazer algo que nunca tinha feito
antes: tocar com uma Big Band.
Pegando em mais uma canção de Lins e Martins (‘A
Outra’, a cujo refrão, por sinal, o pianista alude em ‘Song Without Words #2’),
é como se declarasse: “Nem só o que aparento/ Eu gosto/ Nem tudo que
represento/ Eu mostro”. Nessa perspetiva, logo à primeira, teve mais sorte que
Bill Evans (ainda e sempre um bom termo de comparação para se entender as
capacidades transformativas da sua ação), que nunca se mostrou realmente confortável
em discos gravados com formações alargadas (como aquelas dirigidas por Gary
McFarland, George Russell e Claus Ogerman). Mérito da WDR Big Band, claro, do
orquestrador e maestro Vince Mendoza (que se aproxima, aqui, da sensibilidade
demonstrada em “Both Sides Now” e “Travelogue”, de Joni Mitchell) e do próprio
Fred Hersch – não apenas por ter decidido tocar exclusivamente temas da sua
autoria mas, também, por lhes estimular como nunca os lobos temporais. Há 40
anos, de modo premonitório, o primeiro disco em que participou chamava-se “The
Awakening”.