31 de agosto de 2019

Fred Hersch & The WDR Big Band “Begin Again” (Palmetto, 2019)

Como é que dizia a canção de Ivan Lins e Vítor Martins? “Começar de novo/ E contar comigo/ Vai valer a pena/ Ter amanhecido/ Ter me rebelado/ Ter me debatido/ Ter me machucado/ Ter sobrevivido”. Podia ser o mantra de Fred Hersch, que, após ter entrado em choque séptico, em 2008, passou dois meses em estado larval, tendo sido sujeito a uma traqueostomia e a tratamentos diários para a insuficiência renal, com mais tubos que um parque aquático, até, por fim, acordar sem sequer saber se voltaria a falar, a ingerir sólidos, a andar ou, como é óbvio, a tocar piano. Faltando só um livrinho de Oliver Sacks, trata-se de uma provação documentada em “My Coma Dreams” (um DVD), em “Good Things Happen Slowly” (a sua autobiografia) e em “The Ballad of Fred Hersch” (um documentário), mas, desde então, numa boa dezena de álbuns a solo, em duo e em trio, com nenhuma ou pouca representação em disco. Daí entender-se este “Begin Again” não tanto quanto a fase inicial de um processo de reabilitação mas, sim, como a prova da sua transcendência, no sentido em que mais do que recuperar funções perdidas, o que fez há muito, Hersch dá mostras de as superar, aceitando um convite para fazer algo que nunca tinha feito antes: tocar com uma Big Band.

Pegando em mais uma canção de Lins e Martins (‘A Outra’, a cujo refrão, por sinal, o pianista alude em ‘Song Without Words #2’), é como se declarasse: “Nem só o que aparento/ Eu gosto/ Nem tudo que represento/ Eu mostro”. Nessa perspetiva, logo à primeira, teve mais sorte que Bill Evans (ainda e sempre um bom termo de comparação para se entender as capacidades transformativas da sua ação), que nunca se mostrou realmente confortável em discos gravados com formações alargadas (como aquelas dirigidas por Gary McFarland, George Russell e Claus Ogerman). Mérito da WDR Big Band, claro, do orquestrador e maestro Vince Mendoza (que se aproxima, aqui, da sensibilidade demonstrada em “Both Sides Now” e “Travelogue”, de Joni Mitchell) e do próprio Fred Hersch – não apenas por ter decidido tocar exclusivamente temas da sua autoria mas, também, por lhes estimular como nunca os lobos temporais. Há 40 anos, de modo premonitório, o primeiro disco em que participou chamava-se “The Awakening”.

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