17 de agosto de 2019

Mario Pavone Dialect Trio "Philosophy" (Clean Feed, 2019)

Anda Mario Pavone, por aí, a dar concertos com Patty Waters e Burton Greene, que parece arrumar com a questão de se o tempo é cíclico ou linear – e há algo hagiográfico em imaginar estes septuagenários e octogenários a sentarem-se no chão de pernas cruzadas, a acender pauzinhos de incenso e a explicar que, no fundo, o ponto a discutir nem é esse. Conforme o título de um livro de Ram Dass que todos tiveram na sua juventude, o importante é “Be Here Now” – e vendo bem a maneira como decidiu designar este seu novo CD, nem Pavone se dispõe a discorrer sobre outra coisa. Para tal, socorre-se de quem percebe da poda: Annette Peacock, a mesma que cantou o mantra “Would we/ Ever be/ Happier than we are/ Here – upon a now?” como quem, contra todas as evidências, dá voz aos Paradoxos de Zenão. Aliás, de modo muito apropriado, este extraordinário trio de Pavone – com Matt Mitchell ao piano e Tyshawn Sorey na bateria – extrai ao repertório da compositora temas que têm tudo a ver com o assunto (‘The Beginning’ e ‘Circles’) e que lembram, por sua vez, que o contrabaixista se estreou em disco a tocar precisamente canções dela, há 50 anos.

Depois, sempre que Gary Peacock se encontrava demasiado ocupado, imagina-se, seguiu estrada fora com Annette e Paul Bley a pregar uma peculiar teologia do corpo: estão juntos num álbum gravado ao vivo chamado “Dual Unity”. Era um tempo em que a cantora andava em palco de cinzel na mão, como dizia, a entalhar a cacofonia em seu redor – e Pavone a seu lado, sem o grilhão dos andamentos, sem a manilha das sequências de acordes, exposto a muito mais do que na altura poderia abarcar, a aprender tudo sobre o conforto e o desconforto que na liberdade se confundem ou, pelo menos, a tentar adivinhar quando se livrar do lastro que aumenta o peso do contrabaixo, quando a ele se agarrar. Sem inteiramente o perceber, adquiriu com Annette a capacidade de fazer despertar as zonas erógenas do free jazz. Meio século depois basta-lhe um par de gestos para lhe devolver a vida, reanimar o corpo e soltá-lo de obrigações. Pois, neste domínio, já dizia T. S. Eliot: “O que chamamos o princípio é muitas vezes o fim/ E terminar é começar.” Seja em 1969, seja em 2019, como filosofia, não está nada mau.

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