28 de setembro de 2019

Agenda: Angrajazz

Há coisa de 15 anos, num quarto de Hotel, em Lisboa, falava com Howe Gelb acerca de uma canção sua: ‘Felonious’ (a tal, que dizia: “The piano’s stealing Lou Reed licks/ Licks that he probably stole/ I’d rather them be Thelonious’/ I’d rather we’d never get old”). Como é óbvio, o título era composto por aglutinação a partir da palavra “felonia” e o nome próprio de Thelonious Monk, mas Gelb fazia questão em explicar que era sobre muito mais do que isso: “É um título composto, sim, mas eu estou mais tentado a considerá-lo imposto”, sugeria, em jeito de provocação. “A História da Música faz-se disso: de apropriações, deslealdades e pequenos atos de traição para com aqueles que vieram antes de nós e de certa forma nos sustentam. Mas também é mais do que isso, claro. Olha, o Monk: aparece como que do nada, com um estilo único e perfeitamente formado. E, no entanto, no jazz, descontando um Bill Evans, consegues lembrar-te de alguém a quem tanta gente tenha deitado a mão nos últimas 60 anos?”. Talvez tivesse razão. Felizmente, o Angrajazz não permite que ninguém o esqueça: depois de Alexander Von Schlippenbach ter apresentado “Monk’s Casino” no Centro Cultural e de Congressos de Angra do Heroísmo em 2007, é a vez do quarteto de Frank Kimbrough [na foto] visitar as mesmíssimas páginas desse cancioneiro (sexta, às 23h30). Kimbrough, que de hoje a oito toca igualmente em Lisboa, no Hot Clube, sabe da poda – lançou no ano passado “Monk’s Dreams: The Complete Compositions of Thelonious Sphere Monk”. Tratar-se-á de um concerto que representa bem o espírito do festival, daqueles empenhado em tornar patente um dilema que outros prefeririam ocultar, que é, no fundo, a contradição inerente a toda a arte que tenha de ser a uma só vez desafiante e atraente, original e passível de decifrar, fraturante e unificadora, acessível e avessa a fórmulas. Ilustram-no ainda Orquestra Angrajazz (quinta, 21h30), Émile Parisien (quinta, 23h30, com Michel Portal como convidado) ou João Mortágua (sexta, 21h30, com um singular sexteto de quatro saxofones e duas baterias que traz à memória a aura apocalíptica do Rova de “The Mirror World”). O festival encerra sábado, com Allan Harris e Miguel Zenón.

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