19 de outubro de 2019

Prokofiev: Piano Sonatas Nos. 4, 7, 9 (Harmonia Mundi, 2019)

Nessa crónica do exílio a que chamou “O Cabo das Tormentas”, Nina Berbérova põe uma das personagens a pensar “naquilo que era realmente o seu destino, porque nem tudo o que acontecia na sua vida fazia parte do seu destino.” Ninguém achará extraordinária tamanha racionalização, mas menos ainda os russos, como ela, ou como Prokofiev, que ela bem conhecia, que chegou a dizer que na sua errância pelo mundo levava sempre o peso da pátria às costas. No caso do compositor, pese o paradoxo, nunca mais do que quando regressou definitivamente a Moscovo, em 1936. Aí, então, e basta ler os seus diários, cola-se a si a frase completa de Berbérova: “Sentia sempre a aproximação do destino: tudo [nele] ficava de sobreaviso, como [que] a preparar-se para receber o golpe – horrível, esmagador, todo-poderoso – da felicidade ou da desgraça. Sentia de repente a necessidade, não de conhecer, não de adivinhar, não de raciocinar, mas apenas de se submeter àquilo que nesses instantes se elevava em si [mesmo] como uma música.”

Melhor descrição para estas sublimes sonatas, não há, apesar da mais antiga delas, o Op. 29, proceder de 1917, não tinha ainda Prokofiev pesadelos com Estaline. Não obstante, bordada que está pelo complexo de emoções que de Prokofiev se apoderou quando soube do suicídio de Max Schmidthof, um colega e amigo, trata do mesmo que as outras: de reagir à terrível combinação de circunstâncias que influem de um modo inelutável na sorte de cada um. Arriscaria dizer que nunca, como aqui, na interpretação de Melnikov, estiveram os seus mais contrastantes elementos tão dramaticamente plasmados, o episódio pianissimo tranquillo e dolce, em especial, tão pungentemente marcado. Na sétima sonata, Op. 83, essa função recai sobre o seu segundo andamento, quando, de Schumann, se evoca “Wehmut”, canção em que o Eu lírico se vê invadido por um sofrimento que tem de permanecer invisível aos outros. E assim ficou, para sempre – demonstra-o a derradeira sonata, Op. 103, tão despida e no entanto jamais a nu, coberta pelo que Nabokov identificou em Prokofiev: “Sob a máscara do otimismo, um sentimento de profunda insegurança.”

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