5 de fevereiro de 2021

Joe Lovano – Trio Tapestry “Garden of Expression” (ECM, 2021)

No livreto, umas linhas, que começam: “A música da vida é repleta de momentos preciosos no jardim da expressão.” De facto, no jazz, não havia um disco tão exposto a ervas aromáticas desde que Cecil Taylor gravou “Chinampas”, palavra nauatle que remetia para a técnica de cultivo dos “jardins flutuantes” nas áreas lacustres do Vale do México. Aí, o pianista abdicava do piano, recitava poemas, acumulava espuma esotérica nos cantos da boca e a sua voz ia sendo pontuada pelos ding, plim, blong e dong dos sinos e gongos, mais ou menos o que aqui faz Carmen Castaldi – alguém que, cercado de chapas circulares suspensas, como móbiles, sabe reter a mais extraordinária espontaneidade. Em temas abertos, soltos, marcados por estruturas vaporosas e andamentos vagarosos, também Joe Lovano e Marilyn Crispell parecem reagir à complexidade da música que sempre praticaram buscando abrigo num corpo hermético, num metafórico jardim – e, tal como o Mal Waldron de ‘The Stone Garden of Ryoanji’, por exemplo, vêm dar expressão àquela ideia batida de que a infinitude do universo se vê amiúde reproduzida no mais ínfimo dos espaços. Ao mesmo tempo, dir-se-ia quererem acercar-se o mais possível do som – ‘Chapel Song’, ‘Sacred Chant’, ‘Zen Like’, o ponto em que equilibram fórmulas altamente concentradas, como se descobrissem uma música dentro de outra. Nessa perspetiva, “Garden of Expression” é mais ecuménico do que evangélico, ao invés de ‘The Garden of Souls’, de Ornette, digamos, embora tenha presente que mesmo a mais serena das preces pode servir de arma de arremesso. Aliás, como quem se retira para um jardim de pedras japonês com o livrinho dos pensamentos de Musô Soseki debaixo do braço, o Trio Tapestry relembra que originalmente não há grandeza nem pequenez nas coisas do universo, que o árido não tem de ser sinónimo de estéril, que o espiritual não equivale obrigatoriamente ao transcendental. Tocam, e o que vem à memória é um haiku, de Bashô: “Silêncio:/ As cigarras escutam/ O canto das rochas.”

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