Textos publicados no semanário português Expresso/ Articles published on the Portuguese weekly Expresso
19 de fevereiro de 2021
Zanzibara 10: Taarab Vibes From Mombasa & Tanga, 1970-1990 (Buda, 2021)
Em
1982, nas notas de apresentação de “Songs The Swahili Sing”, John Storm Roberts
deliciava-se com o paradoxo: “O taarab
é o reflexo das qualidades cosmopolitas de um povo multirracial há muito virado
para o mar. Aliás, à primeira vista, dir-se-ia que o único ingrediente que efetivamente
falta à música da região é precisamente o africano.” O etnomusicólogo britânico
passava da teoria à prática: em 1972, na introdução do seminal “Black Music of Two
Worlds”, havia revelado uma opinião contrária à comum ao explicar que, sim, antes
de mais, neste contexto, se teria de abandonar aquela ideia peregrina de que a “música
africana esteve larguíssimos séculos isolada do mundo”; que vivia numa “espécie
de Jardim do Éden, imaculada” e, pelo menos até à era colonial, imune a
influências exteriores. Na realidade, o inverso era verdadeiro: “Um cronista da
Grécia Antiga escreveu sobre a costa leste africana, em ‘Périplo do Mar
Eritreu’, no século I, e instrumentos musicais gregos foram descobertos perto
de Cartum. Do mesmo modo, achou-se cerâmica chinesa do século XIII em Mombaça,
uma zona a que, antes ainda da música árabe, com os seus elementos cópticos,
sírios, egípcios e persas, chegavam ecos de música fenícia, romana, bizantina e
europeia.” Estes últimos, crê-se, por via lusa, o que permitiria traçar uma
linha direta entre as Cantigas de Amor e ‘Binti’, de Matano Juma com o conjunto
Morning Star, um tema que só por acidente não surge cantado em
galaico-português. Bem, face à corte do período Taishô, no seu país, um japonês
diria o mesmo das canções de Zuhura Swaleh que se socorrem do taishogoto, e um indiano não ficaria
propriamente indiferente ao harmónio e às tablas nas de Malika. Nada que se
escutasse no Sultanato de Zanzibar, claro, onde o taarab nasceu, em finais do século XIX, mas tudo coisas que se
ouviam nos filmes de Bollywood que chegavam regularmente a Mombaça, Tanga ou
Dar es Salaam, um mundo de fantasia para o qual se evadiram os que o fecho de
fronteiras entre Quénia e Tanzânia encarcerou. Felizmente havia alguém para
carregar no botão do gravador.
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