5 de março de 2021

Gesualdo: Madrigali A Cinque Voci (Harmonia Mundi, 2021)

A declaração de intenções fê-la Agnew há um ano, quando apresentou os “Libri Primo & Secondo” desta integral: “Mesmo as derradeiras e musicalmente mais ousadas obras de Gesualdo resultam de uma evolução lógica e intelectualmente defensável rumo a um cromatismo que não se prova tão revolucionário quanto o que seria à primeira vista de supor, nem propriamente sem precedentes ou antecedentes, como se tem igualmente o hábito de sugerir.” Resumindo: o escocês não acredita que numa análise forense estas partituras exibam quaisquer traços de sangue. Dessa forma, então, o momento em que Dom Carlo Gesualdo assassinou a mulher e o amante, em 1590, não seria já uma espécie de ponto de Arquimedes na sua biografia, responsável por atos, decisões e acontecimentos subsequentes. Não, na origem desta nova teatralidade no seu discurso polifónico estaria a sua mudança para a cidade de Ferrara, em 1594, quando do céu, ou dos corredores do poder, surgiu a oportunidade de se unir por casamento com Leonor d’Este – terá sido a exposição à música do Ducado que o levou a dramatizar os códigos expressivos do género madrigalesco. É possível. E nem será preciso sacar da prateleira “Music in Renaissance Ferrara, 1400-1505”, de Lewis Lockwood. Já depois disso, e até Gesualdo lá chegar, o feudo foi um laboratório sujeito às extravagâncias de Desprez, Obrecht, Brumel, Willaert, Rore, Wert, Marenzio, Agostini e Luzzaschi – Monteverdi apelidou-o de Academia dos Intrépidos. No entanto, ninguém, como Gesualdo, privilegiou tanto assim temáticas melancólicas, mórbidas, a roçar o macabro, nem, através de vertiginosos intervalos, prendeu deste modo o lastro da culpa a um cortejo de misera vita, dolorosa morte, tormento, lagrime i sospiri, martiri, cruda sorte, sospira e more – fórmulas que atuavam como um vírus que começava por atacar o ouvido interno, transformando cantores em equilibristas, desestabilizando a coesão de grupo. Mas nem isso abala a firmeza retórica desta abordagem aos “Libri Terzo & Quarto”, compostos e publicados antes de a Casa d’Este perder Ferrara e, mais a sul, no Castelo de Gesualdo, Dom Carlo perder a cabeça.

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