Textos publicados no semanário português Expresso/ Articles published on the Portuguese weekly Expresso
19 de março de 2021
Shintaro Quintet “Evolution” (BBE, re. 2021)
Certamente ambiciosa, a peregrinação de Shintaro
Nakamura à Meca do jazz não foi um desafio sem precedentes – quando lá chegou, em
1982, já ilustríssimos conterrâneos seus (Teruo Nakamura, Isao Suzuki e Yoshio
Suzuki, por sinal, também eles contrabaixistas) haviam dado sete voltas à Caaba
entoando cânticos de adoração, antes de a beijar. Teruo não se tinha ficado por
aí: em “Big Apple”, envolvendo a nata dos músicos locais, deu-lhe uma valente trinca!
Dir-se-ia gente particularmente atenta às tabelas de vendas, tendo em conta a
sua produção: isto é, ao que faziam Crusaders, Spyro Gyra, Earl Klugh, Pat
Metheny, Grover Washington Jr., Bob James, David Sanborn e Lee Ritenour. Mas, por
sorte, ou intervenção divina, o disco que mais sucesso fez no período era o que
dos restantes mais se distinguia – e a nenhum outro, quanto ao primeiro álbum
de Wynton Marsalis, este “Evolution” tanto se assemelha. Com pequeninas diferenças:
parafraseando Bill Shoemaker, a propósito de Marsalis, em “Jazz in the 1970s”, para
Shintaro, a tradição não era o Código Penal; swing, um mantra de conformismo; clássico, sinónimo de
historicista. Observe-se, aliás, este pormenor: o disco de Shintaro intitula-se
“Evolution”; o de Marsalis, como afirmou Francis Davis, crítico do “The Village
Voice”, só por acaso não se chamou “Recapitulatin’ with the Miles Davis Quintet”.
Claro que, como Marsalis, se pudesse, também Shintaro gostaria de ter a seu
lado Herbie Hancock, Tony Williams e Ron Carter – ao invés, tinha Jeff Jenkins,
Bob Kenmotsu e um par de expatriados, Fukushi Tainaka e Shunzo Ohno. Mas,
contrariamente a Marsalis, não os empregaria para ilustrar o que no campo da
biologia evolutiva se apelidava de Lei da Recapitulação (i.e., a desacreditada
teoria que o desenvolvimento do embrião repete o desenvolvimento evolucionário
da espécie à qual pertence passando por etapas que se assemelham aos seus
ancestrais na fase adulta.) Só que a História é uma pescadinha de rabo na boca:
quando Shintaro deixou Nova Iorque e tornou ao Japão, em 1984, “Evolution”
vendeu 1000 unidades; “Wynton Marsalis” ia nas 100.000 – ah, se pudesse ter
sido ao contrário!
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