Gismonti não é dado a efemérides, mas em 2009 cumpriram-se 40 anos desde que se estreou em disco. Tratou-se, então, de um incaracterístico álbum para a Elenco, na órbita de Baden Powell, com tímida dependência rítmica da bossa jazz e temas em evaporação instantânea para a nebulosa partilhada por Carlos Lyra, Roberto Menescal ou Marcos Valle. Um ano mais tarde, o túrgido “Sonho 70” ombreou com Taiguara ou Edu Lobo e revelou amplo cunho autoral. “Água e Vinho” e novo registo homónimo, em 1973, concentraram as suas mais belas canções e só pecaram ao cobiçar os vizinhos Milton Nascimento e Ivan Lins. À distância percebe-se que serviram também para o definitivo acordar da besta, com “Academia de Danças” e “Corações Futuristas”, a obra-prima de 1976, a sintetizar e jubilar a vanguarda brasileira.
Talvez por tudo isto se tenha atravessado no seu caminho a ECM. Infelizmente, se ganhou uma carreira deixou de ser celebrado pelo que de melhor havia feito: para a posteridade, 1977 não foi já o ano do vibrante e contraditório “Carmo” e sim o do primitivo-laboratorial e antropológico-pastoso “Sol do Meio-Dia”. E assim sucessivamente até tudo se diluir numa produção progressivamente sumida, insular e revisionista.
“Saudações” não corrige o rumo a uma discografia que desde 1981 perdeu o Norte, mas pelo menos remete para o mais longínquo do seu passado. “Sertões Veredas”, a suite para cordas no CD1, recupera o melancólico motivo que em 1979 compôs para “Saudades”, de Naná Vasconcelos, relembra ‘Sertão Brasileiro’, uma das peças de “Nó Caipira”, de 1978, e sugere um Aaron Copland a correr pelo Nordeste ou um Steve Reich a meditar pelo Sertão antes de decalcar Bach, Mozart e Villa-Lobos. O CD2, com o seu filho Alexandre, traz dez “Duetos de Violões” em regime de sarau familiar e vira páginas ilustres do songbook caseiro como ‘Lundú’, ‘Palhaço’ ou ‘Dança dos Escravos’. Mas não chega para acordar um continente adormecido.
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