Se, em involuntário diálogo inter-geracional, o que Caetano Veloso ensaiou no retesado “Cê” foi superado pelo “Sou” de Marcelo Camelo, vê-se agora fortificado o mais exangue “Zii e Zie”. Isto é, o regresso do baiano ao rock coincidiu com o momento em que o modelo brasileiro do género absorveu características eminentemente velosianas: abertura ao mundo, vulnerabilidade sensual, êxtase confessional. “Certa Manhã…” soma uma página ao tomo dos ‘break-up albums’ (Otto separou-se da actriz Alessandra Negrini em 2008) sem por um instante vacilar em suicidária auto-comiseração ou encharcar em nostalgia o sudário. Se o seu título parafraseia o início de “A Metamorfose”, de Kafka, compreendê-lo-á melhor quem o julgue pelas primeiras palavras que nele se ouvem: “Há sempre um lado que pesa e outro lado que flutua”. A comandar a ascensão estão Fernando Catatau (Cidadão Instigado) e Pupillo (Nação Zumbi), na figura do anjo surgem Julieta Venegas e Céu, mas é na terra que o antigo activista do mangue beat procura a redenção – e nos momentos em que cruza jovem guarda, afrobeat e samba, prova que, com o seu melhor álbum, a encontrou.
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