Isto começa a ter contornos de livros de aventuras. Porque na renovação de exaltantes experiências pós-coloniais se empenham febrilmente aqueles que, hoje, desenham a curvatura do groove à escala global e também porque na militância por causas esquecidas descrevem por vezes inflexões concordantes. No caso, Analog Africa e Vampisoul rumam à Colômbia no momento em que a Soundway anuncia “Palenque Palenque: Champeta Criolla & Afro Roots in Colombia 1975-1991” retratando de forma complementar as transformações estéticas aí ocorridas desde os anos 60. E relembrando que no único país da América do Sul a possuir costa pacífica e caribenha a compreensão da sua sociedade depende do conhecimento da geografia e demografia. Porque os acontecimentos aqui reproduzidos foram determinados pela fixação de populações escravas e de sua descendência nas regiões costeiras. Ou seja, para além da análise de fenómenos musicais, provocam estas antologias uma reflexão sobre identidades raciais e nacionais numa narrativa central de mestiçagem.
Aliás, a popularidade do acordeonista Aníbal Velásquez – ainda em actividade – representa um exemplar processo de transformação e apropriação. Num instrumento sem tradição local, redefiniu a música costeña substituindo-se aos metais das orquestras e charangas e – num daqueles saltos evolutivos que tanto devem ao engenho – trocando no seu grupo bongôs por tarolas que em vez de pele animal se cobriam por chapas radiográficas. A expressão seca e dura que imprimiu em mambos e guarachas originou um vibrante híbrido cultural nesta compilação sintetizado em magra dezena de temas. Em contrapartida, a investida de Pablo Yglesias – autor de “Cocinando! Fifty Years of Latin Album Cover Art” – pelos arquivos da Discos Fuentes reúne 43 gordurosas fatias de desenfreada diáspora que funcionam ainda como uma retrospectiva de Fruko y sus Tesos, Afrosound ou Wganda Kenya. Num incendiário ponto de encontro entre África, América e as Antilhas, supera as locais cumbia, porro, vallenato e chicha, sugerindo o absurdo dos Kraftwerk perdidos em Miami, da dupla Perrey-Kingsley em exploração amazónica, dos Funkadelic liderados por Manu Dibango ou de Sun Ra dedicado ao benga queniano. Tudo num selvagem capitalismo musical que da marijuana passou para a cocaína e que, naturalmente, teria de acabar mal.