Fizesse gala de algum tipo de conexão intelectual e ter-se-ia inscrito na História como um segundo “Tropicália ou Panis et Circensis”. E caso alguém por ele tivesse dado em ‘71, reconhecer-lhe-ia um ano depois ascendência sobre “Acabou Chorare”, o paradigmático álbum-esponja dos Novos Baianos. Porque vindo de produzir Leno em “Vida e Obra de Johnny McCartney”, Raul Seixas – com obscuros auxiliares de pouca sorte – aproveitava os créditos acumulados na CBS, e umas férias do seu Director Geral, para ensaiar um desconcertante e dispendioso manifesto capaz de levar o rock de propensão psicadélica às fronteiras do bolero, baião, xote, choro, seresta ou samba (aos quais jamais voltaria de forma tão declarada), com o fim de revolucionar a música brasileira.
Longe da pretensão dos seus conterrâneos – que tentando reflectir a iminência plástica da cultura popular dela se afastavam – antecipava a mensagem, tão inconformista quanto inconstante, que viria a concretizar com ‘Metamorfose Ambulante’ (“eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”), em ‘73 incluído em “Krig-Ha, Bandolo!”. Mas, por enquanto, a proposta desta Grã-Ordem – vinda então de um desconhecido, pois poucos teriam ouvido Raulzito e os Panteras ou lhe reconheceriam o nome nos créditos de Jerry Adriani ou Tony & Frankye – foi demasiado ousada para a censura (que lhe proibiu canções), arriscada para a editora e esquiva para o grande público, ficando nas entrelinhas de biografias artísticas e na esfera mitológica do coleccionismo.
E apesar de não ser bem o “disco voador” de que também fala – possui na sua essência aproximações melódicas aos Mutantes de “Jardim Elétrico” ou ao Tom Zé de “Se o Caso É Chorar” – esta “Sessão das Dez” terá agora outra relevância. Porque é hoje claro que na viagem até ao lugar cimeiro do rock no Brasil, com a série de semi-obras-primas gravadas até finais da década de 70, não voltou Seixas a empunhar o mundo regional contra uma ‘sociedade de consumo’ retratada em frases de tão presente acuidade como “p’ra quê pensar, se eu tenho o que quero? Tenho nêga, o meu bolero, a TV e o futebol”, a arriscar soluções formais de idêntico radicalismo (marchas circenses embatendo em frevos, vinhetas Belle Époque como jingles publicitários e arranjos acusmáticos da estirpe Zappa-Martin-Duprat) ou a comunicar tão desembaraçadamente as suas ideias. E isso vale ouro.
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