Pode “Fela!”, a peça na Broadway, transformar o legado criativo da sua fonte de inspiração numa narrativa de coragem e paixão que não lhe apagará do carácter a jactância que advinha da dominação social da mulher. E num tempo em que arte e política eram um pretexto para contagens públicas de testosterona interessará lembrá-lo nem que seja para do seu exemplo distanciar Bola Johnson – que numa canção como ‘Lagos Sisi’ aplicava com ironia os códigos marciais do afrobeat para prevenir jovens nigerianas em vez de as subjugar. É certo que não servirá a diferença para questionar os impulsos libertários de Fela Kuti ou para lhe eclipsar um milímetro de pertinência artística – e é sabido que alardear valentias amorosas concentra matéria infinitamente mais sumarenta para a pop do que salvar a honra de virgens em perigo – mas o ponto é que num terreno onomástica e onanisticamente dado à demonstração de poder, tal como praticada por Chief Commander Ebenezer Obey, Sir Victor Uwaifo, King Sunny Ade, Prince Nico Mbarga ou Dr. Victor Olaiya, observar a produção deste secundarizado cantor e trompetista de Lagos implicará rever aquilo que tem chegado como uma ‘verdade histórica’. E compreender que numa área dada a titânicos confrontos ideológicos houve quem preferisse a arma da subtileza dando uso a uma radiante voz – capaz de trazer à memória a de Mighty Sparrow – que nos infortúnios sentimentais encontrava consolo enquanto cruzava com invejável sentido de oportunidade elementos caricaturais de highlife, calipso, folclore ou funk. Mas pela dureza dos tempos (com o advento da Guerra do Biafra), e por se ver ingenuidade onde só havia engenho, logo lhe faltaram as hipóteses de gravar. Bola ganhou segunda vida no teatro radiofónico mas esperou quatro décadas para ser celebrado como um elo perdido na evolução da música popular da Nigéria. Até hoje.
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