27 de abril de 2012

"De jueves a domingo", de Dominga Sotomayor



“De jueves a domingo” é, antes de mais, uma cândida e subtil meditação sobre o tempo, minuciosa e metaforicamente ancorada na infância. É, igualmente, uma inteligente decomposição da sintaxe cinematográfica, de um zelo quase imprudente na combinação e evocação inicial de elementares modelos narrativos, mas de uma resoluta frustração final dos seus mais previsíveis códigos. Trata-se, à partida, de um road movie com os seus preceitos e procedimentos: uma família chilena (pai, mãe e dois filhos – Manuel, de sete anos, e Lucía, de dez) parte numa longa viagem de fim de semana seguindo um impulso de simultâneas evasão e analepse. E porque cedo se evidencia que o casal está em crise, as suas promessas são uma ilusão (o pai fala à filha de um terreno em que poderiam construir uma casa, ao mesmo tempo que, com a mulher, discute a hipótese de ir viver sozinho para um apartamento) e logo se estabelece um alegórico paralelismo entre paisagem – deixou-se a cidade rumo ao deserto – e estados de espírito. O dispositivo é eminentemente cinéfilo (de “Stromboli” e “Teorema” a “Paris, Texas”) mas, aqui, tornado progressivamente acessório. Também porque há um espaço de maior importância na ação (a carrinha em que se deslocam, como um símbolo de intimidade e união que a inevitável e simbólica distância entre bancos da frente e de trás vai desfazendo), mas, fundamentalmente, porque o seu essencial instrumento dramatúrgico é o olhar das crianças. Nessa perspetiva, o rosto de Lucía (Santi Ahumada) é ao longo do filme um veículo de múltiplas expetativas, incompreensões e ambiguidades. E, também ele (como a própria carrinha, o guarda roupa, a banda sonora ou os idílicos locais de paragem no caminho), um meio de relativização temporal e o palco para uma impossível suspensão: da felicidade, da coesão familiar, da inocência. Na sensível gestão da sua leitura, traduz-se um gesto de infinita ternura e fidelidade de Dominga Sotomayor: a expressão da realizadora como a derradeira constante a que sua jovem atriz se pode agarrar. (publicado aqui)

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