Será difícil indicar quem, na arte, a evite, mas as Lijadu Sisters representam de forma paradigmática essa negociação entre identidade e poder que a música produz. Aliás, questionar símbolos de autoridade e refutar tendências hegemónicas numa tradição de retórica panegírica acarretava já dissabores suficientes – bastará, para o comprovar, lembrar o exemplo de Fela Kuti e a maneira devastadora (censura, prisão, tortura, defenestração da mãe) em que lhe respondeu às denúncias a corrupta classe que nos anos 70 conduzia o destino da Nigéria. Mas determinar um posicionamento intelectual à custa de um caso de disparidade – a condição feminina – largamente ignorado, além de implicar nefastas consequências, era em si mesmo um gesto de transformação da ordem social que contrariava leituras padronizadas. A partir dessa perspetiva, muitas das canções das Lijadu regressam frequentemente a estes temas: impossibilidade de coesão cultural, acusação de desigualdades, pendência entre continuidade e mudança, estratificação da sociedade, abuso do erário público pelo regime militar, sexo.
Taiwo e Kehinde Lijadu nasceram em 48. Cantoras e compositoras desde a adolescência, empregaram-se num estúdio enquanto coristas. Em 71 conheceram Ginger Baker, o baterista britânico que ressacava em Lagos a dissolução de Cream e Blind Faith, e ingressaram num novo projeto seu, Salt. Colaboraram ainda com Tee Mac mas foi através do multi-instrumentista Biddy Wright (membro dos Akido e Blo) que garantiram um contrato com a Afrodisia. Entre 76 e 79 lançaram quatro álbuns (“Danger”, “Mother Africa”, “Sunshine” e “Horizon Unlimited”) e no início da década de 80 atingiram notoriedade internacional: foram entrevistadas pelo documentarista inglês Jeremy Marre, viram os seus discos promovidos na Europa e Estados Unidos e acompanharam a banda de King Sunny Adé. Em 88, após uma digressão norte-americana, e com propostas em cima da mesa, ficaram em Nova Iorque. Mas nada de significativo se produziu e as Lijadu, ambas sacerdotisas yoruba, dedicaram-se ao herbalismo. Em 96, nas escadas do prédio em que dividiam apartamento, Kehinde caiu e sofreu sérias lesões na coluna ficando sem saber se voltaria a andar. As irmãs retiraram-se e concentraram-se na convalescença. Mas o mundo nunca as esqueceu. Em 2001, a Strut incluiu ‘Orere – Elejigbo’ em “Nigeria 70” e, conforme relataram em entrevista recente ao Los Angeles Times, pessoas ligadas à indústria iam-lhes aparecendo à porta. Em 2009, Wills Glasspiegel (jornalista e produtor freelancer com trabalhos para a Luaka Bop ou a Honest Jon’s) convenceu-as da necessidade de reeditarem a sua obra, à semelhança do que fazia a Knitting Factory com a discografia de Fela, e as gémeas, com Kehinde praticamente reabilitada, aquiesceram.
“Danger” e “Mother Africa” (os dois capítulos que faltam chegarão até ao fim do ano) representam uma demarcação estética de múltiplo e paradoxal alcance. Audazes variações polimétricas ao afro beat, inteligentes comentários sincréticos sobre estilos alóctones ou a dietética gestão da herança yoruba ao nível do ritmo e das harmonias vocais impressionam pela elasticidade da sua pulsação ao mesmo tempo que escancaram com intransigência vícios contemporâneos. “Afro-Beat Soul Sisters”, que reúne temas dos quatro álbuns, sublinha algumas destas características deixando, para o bem e para o mal, marcas da sua mediação (‘Osupa I’ é inexplicavelmente amputado em quatro minutos) e situando a ação num tenso plano cuja resolução se encontrava iminente, algures entre as ESG e Tom Tom Club. Entretanto, Kehinde, citada pelo Village Voice, afirma que a Afrodisia forjou assinaturas para licenciar o repertório à Soul Jazz e que é tempo das irmãs voltarem ao ativo e reivindicarem o que é seu. Só elas sabem o muito que já lhes foi tirado.
Sem comentários:
Enviar um comentário