7 de julho de 2012

Chavela Vargas “La Luna Grande” (Corasón/Karonte, 2012)


Numa invulgar combinação diegética, Chavela declama poemas e fragmentos da obra literária de Federico García Lorca – edificada entre meados dos anos 20 e 30 do século passado – enquanto os seus guitarristas, Juan Carlos Allende e Miguel Peña, a acompanham discorrendo sobre um cancioneiro que traça o essencial de uma biografia artística firmada nos anos 50 e 60. O anacronismo é ilusório, embora raras vezes coincidam temáticas: por exemplo, o verso “toda mi vida de sus labios suspendida”, extraído à operática farsa “Lola la comedianta”, ganha eco no desamor forçado de ‘Nosotros’, de Pedro Junco; da mesma maneira, estabelece-se um inesperado paralelismo entre o bolero ‘Luz de luna’, de Álvaro Carrillo, e a leitura de ‘Canción de Jinete’, história de sangue e contrabando banhada por uma lua negra; e é também na noite que se desencontram os amantes de ‘Soledad’ e os de ‘Gacela del amor desesperado’, coligido em 1934 no poemário “Diván del Tamarit”. Mas na maior parte dos casos, talvez por estarem juntos em pensamento, a embargada entoação da voz parece vir de um tempo contemporâneo ao da escrita. Nessa perspetiva, a evocação das inolvidáveis ‘Noche de ronda’, ‘Si no te vas’, ‘Se me hizo fácil’, ‘Macorina’, ‘La llorona’ ou ‘Cruz de olvido’ serve aqui um propósito confessional, em que, por anteposição, se credencia ao escritor uma dimensão fundadora na identidade da cantora. O que implica pensar-se em sexualidade (pagaram ambos por assumir a homossexualidade num meio discriminatório) e morte (o assassinato do granadino e a ‘morte em vida’ de Chavelas, de que nada se soube durante 15 miseráveis anos). É uma desapiedada catarse que deslumbra ao mergulhar no abismo mas que jamais concede ao martírio e, talvez por isso, uma derradeira afirmação de liberdade, rebeldia e romantismo.

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