22 de dezembro de 2012

Sotho Sounds “Junk Funk” (Riverboat, 2012)


Há na estética do ruído uma atração estocástica pela máquina que importa questionar. E, não interessando agora traçar-lhe a exata precedência, o que une os intonarumori de Luigi Russolo às hélices do “Ballet Mécanique” de George Antheil, as sirenes de Edgard Varèse às investidas de John Cage por ferros-velhos ou a ‘Revolution 9’ dos Beatles à ‘Kollaps’ dos Einstürzende Neubauten pode sintetizar-se nestes termos: diletantismo apocalíptico, perturbação de signos musicológicos, intensificação e descontextualização de códigos sonoros da era pós-industrial, culto da indeterminação ou representação artística dos valores da contracultura. E convém referir tudo isto a propósito de um conjunto de pastores das cordilheiras do Lesoto para que não restem dúvidas que a sua ação – tal como a de Staff Benda Bilili com o seu metálico santongé, a de Konono Nº1 com os seus likembes eletrificados ou a das bandas de “Karindula Sessions” com os seus bidões de gasolina – apenas procedimentalmente se filia numa linhagem de dissensão. É que não será a coincidência com um dos seus aspetos centrais – a utilização de instrumentos pouco convencionais – que a conduzirá a considerações que, na prática, em tudo contraria. Pois dificilmente se encontra em 2012 tão universal demonstração daquilo que está na origem de toda a música. Por isso, bocados de sucata soldados com um lava-loiça em forma de tambor, uma chapa que se fricciona como uma rabeca ou tábuas com fios de arame pregados como cordas numa guitarra podem aqui estar apenas por extrema necessidade e cumprir vicária vocação, mas quem lhes toca fez deles precisamente o que queria: a mais espiritual e extravagante reunião de polifonia basoto com a música coral, de pífaros e de concertina sul-africanas, praticamente dispensando todos os seus constituintes para atingir os mesmos fins. A vanguarda é isto.

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