Há
na estética do ruído uma atração estocástica pela máquina que importa questionar.
E, não interessando agora traçar-lhe a exata precedência, o que une os intonarumori de Luigi Russolo às hélices
do “Ballet Mécanique” de George Antheil, as sirenes de Edgard Varèse às
investidas de John Cage por ferros-velhos ou a ‘Revolution 9’ dos Beatles à
‘Kollaps’ dos Einstürzende Neubauten pode sintetizar-se nestes termos:
diletantismo apocalíptico, perturbação de signos musicológicos, intensificação
e descontextualização de códigos sonoros da era pós-industrial, culto da
indeterminação ou representação artística dos valores da contracultura. E convém
referir tudo isto a propósito de um conjunto de pastores das cordilheiras do
Lesoto para que não restem dúvidas que a sua ação – tal como a de Staff Benda
Bilili com o seu metálico santongé, a
de Konono Nº1 com os seus likembes
eletrificados ou a das bandas de “Karindula Sessions” com os seus bidões de
gasolina – apenas procedimentalmente se filia numa linhagem de dissensão. É que
não será a coincidência com um dos seus aspetos centrais – a utilização de
instrumentos pouco convencionais – que a conduzirá a considerações que, na
prática, em tudo contraria. Pois dificilmente se encontra em 2012 tão universal
demonstração daquilo que está na origem de toda a música. Por isso, bocados de
sucata soldados com um lava-loiça em forma de tambor, uma chapa que se
fricciona como uma rabeca ou tábuas com fios de arame pregados como cordas numa
guitarra podem aqui estar apenas por extrema necessidade e cumprir vicária vocação,
mas quem lhes toca fez deles precisamente o que queria: a mais espiritual e extravagante
reunião de polifonia basoto com a
música coral, de pífaros e de concertina sul-africanas, praticamente dispensando
todos os seus constituintes para atingir os mesmos fins. A vanguarda é isto.
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