Matthias
Goerne (v), Thomas Larcher (p), Ensemble Resonanz
Em 1998, no centenário de nascimento desses
dois exatos contemporâneos, Matthias Goerne lançou o “Livro de Canções de Hollywood”,
composto por Hanns Eisler, em Los Angeles, a partir, maioritariamente, de poemas
de Bertolt Brecht. A edição, pela Decca, gerava-se no contexto da série “Música Degenerada”, uma referência à exposição organizada pelo regime nazi em 1938,
sintetizada, então, num cartaz que retratava uma figura amacacada a tocar
saxofone de casaca e cartola, Estrela de David desabrochada na lapela – essa
caricatura, tal como Eisler, está representada na pintura de Rainer Ehrt impressa
na capa acima reproduzida. A reincidência de Goerne em doze dessas composições
prova que o alemão lhes investigou primeiro a técnica para agora lhes desvendar
a humanidade, nomeadamente quando canta: “Confundindo cheiro e som, imagem e
sentido/ O fugitivo senta-se debaixo do amieiro/ E prossegue com o seu custoso
labor: a esperança”, em ‘Primavera’; “Junto à cama, na cabeceira/ Está o
pequeno aparelho a seis válvulas com o seu altifalante// De manhã cedo/ Ligo o
interruptor e oiço/ boletins com as vitórias dos meus inimigos”, em ‘Quarto
de Hotel 1942’; “O meu filho/ Foi-me buscar para salvar um pequeno alperceiro
que crescia junto à casa/ Arrancando-me a um verso em que apontava o dedo
àqueles que preparavam uma guerra que/ Podia destruir o continente, esta ilha,
o meu povo, a minha família e a mim próprio”, em ‘Domingo de Páscoa’. Esta
“paisagem do exílio” foi musicada por Eisler, dir-se-ia, ao socorrer-se das
mais irresolutas ambiguidades encontradas em Brahms, Schubert ou Wolf. Já nas
“Canções Sérias” – para barítono e orquestra, derradeiro opúsculo – esse dilacerado
romantismo sublinha uma dramática tomada de consciência: há sempre quem
substitua os piores entre nós.
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