Kayhan
Kalhor/Erdal Erzincan “Kula Kulluk Yakisir Mi” (ECM, 2013)
Kalhor
e Erzincan, um iraniano e um turco, evocam modalismos persa e anatólico mas é
em cinco improvisações que dissipam os bancos de nevoeiro que ocasionalmente
sufocam o Bósforo. E neste disco, gravado ao vivo em Bursa, na margem sul do
mar de Mármara, ao longo de uma hora de música sem interrupções, aprofundam o
que em 2004, em “The Wind”, apenas diafanamente sugeriam: que a tradição
liberta.
Tal National “Kaani” (Fat Cat, 2013)
Num
ano em que o mais visível representante musical do Níger – Bombino – foi aclamado
a ocidente por melhor reproduzir a versão do psicadelismo há 45 anos
apresentada em “The Howlin’ Wolf Album” e “Electric Mud” (Muddy Waters), é
refrescante ouvir uma banda de rock de Niamey dar dois passos atrás – rumo a
expressões fula, hausa, songhai ou tuaregue – e encontrar o mundo na soleira da
porta.
Bebo Valdés & Diego El Cigala “Lágrimas Negras (Edición
10 Aniversario)” (Calle 54/Sony)
Quem
há mais de um século cunhou a expressão “cantes de ida y vuelta” sonhava com a
voz de Cigala. Em 2003, “Lágrimas Negras” – que viria a vender um milhão de
cópias – reaproximava Cuba e a Andaluzia com a inevitabilidade lógica de quem
reúne irmãos desavindos. Agora, quando Diego saiu de Espanha e Bebo se foi do
mundo, relembra-se o processo através do álbum original, da sua versão ao vivo
e de um documentário.
Chucho Valdés & The Afro-Cuban Messengers “Border-Free”
(Jazz Village/Harmonia Mundi)
Chucho
lembra os comanches deportados para Cuba no século XIX, mas recorda também o
exotismo de Margarita Lecuona ou a paixão da sua avó pelo “Concerto para Piano
nº 2”, de Rachmaninov. Em ‘Bebo’ evoca o seu pai e em ‘Pilar’ honra a sua mãe,
que adorava o ‘Blue in Green’, de Miles, ou os “Prelúdios”, de Bach, que cita.
E tão apropriado é que fale de diluição de fronteiras quem sofre a tirania do
embargo.
“Zanzibara
7: Sikinde Vs Ndekule” (Buda, 2013)
Entre
1984 e 1987 – no período em que Julius Nyerere, figura tutelar do regime, se
reformou –, os inflamados temas aqui reunidos serviram de combustível para o
que se veio a chamar de “batalha das bandas em Dar Es Salaam”, com Mlimani Park
Orchestra e International Orchestra Safari Sound a disputar com rapacidade a
supremacia na Rádio Tanzânia, prenunciando o fim do ‘socialismo africano’.
Laurindo
Almeida “Viva Bossa Nova! + Olé! Bossa Nova!” (American Jazz Classics, 2013)
Laurindo
Almeida aprendeu coisas dificílimas à guitarra. Depois, porque na Califórnia se
preferiam choros do Rio a transcrições de Segovia, teve de estudar outras que,
apesar de virem da sua terra, não lhe seriam mais congeniais. Em 1962, superando
Charlie Byrd, apresentou neste par de LP o seu estilizado e amiúde oximorónico
projeto na bossa, que logo colocou ao serviço do cancioneiro norte-americano.
John Coltrane “Sun Ship: The Complete Session” (Impulse!,
2013)
Ouvir
Coltrane em sucessivos takes do mesmo
tema – só do extorsionário ‘Ascent’, aqui, são oito – não é tanto como esquadrinhar
o YouTube em busca de bloopers de
séries de TV quanto como testemunhar o dilemático Hamlet à procura de uma
resolução final. Gravado meses depois de “A Love Supreme” ou “Ascension”, este
“Sun Ship” foi editado postumamente, em 1971, serôdio documento de um quarteto
abençoado.
Keith Jarrett “No End” (ECM, 2013)
À
data de gravação (1986), apesar de se distinguir dos outros, tomar-se-ia por
mais um álbum de guitarra na editora de Frisell, Metheny, Rypdal, Tibbetts, etc.
E, embora – como “Spirits”, lançado um ano antes – indulgencie impulsos de multi-instrumentista,
não se assemelha ao ensaio anterior. Foi, antes, o regresso de Jarrett ao
espírito de “Restoration Ruin” num contexto de música popular impecavelmente
clínica.
Joe McPhee “Sonic Elements” (Clean Feed, 2013)
Compradores aventureiros poderão
rumar até à Corbet Vs. Dempsey, situada na North Ashland Avenue, em Chicago, de
modo a adquirir o quádruplo “Nation Time: The Complete Recordings (1969-70)”,
antológico testemunho de McPhee no funk mais áfrico. Mas convirá não ignorar
esta sua recente punção na heurística segundo Don Cherry e Ornette Coleman, cujos
espectros evoca sem se confundir com nenhum.
Wayne Shorter “Second Genesis + Wayning Moments” (Essential
Jazz Classics, 2013)
Reunião
dos segundo e terceiro álbuns de Shorter para a Vee Jay – gravados em 1960 e
1961, embora editados de modo anacrónico – em que, nomeadamente em ‘The
Albatross’, se deteta o potencial oracular que a passagem dos anos confirmou
ou, em ‘Black Orpheus’, num procedimento afim ao ensaiado com Blakey nos Jazz Messengers,
uma precoce habilidade na extração de óleos essenciais ao hemisfério sul.
Charpentier: Litanies de la Vierge; Miserere - Ensemble
Correspondances, Sébastien Daucé (d) (Harmonia Mundi, 2013)
Seu
inquilino, Charpentier trabalhou dezassete anos para Marie de Lorraine, a Marquesa
de Guise, a quem dedicou melodiosos salmos, oratórios, hinos, missas e motetos
com charme palaciano – já o “Te Deum”, cujo prelúdio permanece martirizado pelo
genérico das transmissões da Eurovisão, compôs ao serviço de um liceu jesuíta.
O Ensemble Correspondances prova-se insuperável nas litanias marianas.
Dvorák: Stabat Mater - Collegium Vocale Gent, Royal
Flemish Philharmonic, Philippe Herreweghe (d)
(Phi,
2013)
Com
um par delas portuguesas, são sessenta as vozes no coral de Gent; já os músicos
da deFilharmonie ascendem às sete dezenas. E não há um entre eles que não pareça
levar a peito as dores de Maria, e este texto, que, em tradução mais literal, começa
no verso: “Em pé, a Mãe dolorosa/ chorando junto à cruz/ da qual pendia seu Filho”.
Dvorák, com conhecimento de causa, levou a dor até à “glória do paraíso”.
Schubert
- Maurizio Pollini (p) (Deutsche Grammophon, 2013)
Melómanos
avisados ter-se-ão há muito familiarizado com estes registos – da fantasia ‘O
viajante’, às sonatas D845, D958, D959 e D960, passando pelas “Três Peças para
Piano” – em que, entre 1973 e 1987, um impiedoso Pollini escancarou a
extemporaneidade em Schubert. Mas agora que se promove a cíclica unificação desse
material melhor se compreendem estas estranhas figuras, entre o inefável e o
insidioso.
Strauss:
Also Sprach Zarathustra - Berliner Philharmoniker, Gustavo Dudamel (d) (Deutsche
Grammophon, 2013)
Foi
apropriado que o “2001”, de Kubrick, famoso filme acerca de um monólito, se iniciasse
ao som de música inspirada por um conceito que Nietzsche cogitou à sombra de um
enorme calhau. Dudamel não se deixa esmagar pelo peso da fantasia cultural mas
revela-se inesperadamente cauteloso e sublinha a incerteza. Já “As alegres
travessuras de Till Eulenspiegel” e “Don Juan” não lhe reservam segredos.
“The
Complete Alpha Recordings” - L’Arpeggiata, Christina Pluhar (d) (Alpha)
Numa
espécie de adaptação em tempo real ao discurso etnomusicológico, o compromisso
com o folclore regressa de forma cíclica à agenda de agrupamentos de música
clássica. E dir-se-á que nesse impulso predomina uma tão poética quão irredutível
conceptualização: a de que todas as músicas, enquanto expressão criativa e
testemunho essencialmente humanista, de facto, se equivalem. E o que, com frequência,
se ganha em repertório – entendendo-se, por exemplo, como noções de diáspora afetaram
a intatilidade estética ou identificando desejos de modernização em
manifestações artísticas tradicionais ou revelando transformações nucleares nas
soberanias culturais pós-coloniais – perde-se ocasionalmente em espírito
crítico. Desde o início do terceiro milénio, neste domínio, Christina Pluhar,
dirigindo o conjunto L’Arpeggiata, tem sido, a par de Jordi Savall ou Yo-Yo Ma,
uma importante voz na seguinte argumentação: primeiro, que o ecletismo não tem
de implicar uma dissociação com o conhecimento teórico; segundo, em
contrapartida, que a mais fecunda transmissão oral pode ombrear com os achados
da hermenêutica; terceiro, que há sempre algo a acrescentar pelo intérprete à
obra sem que daí resulte uma presunçosa exibição de virtuosismo; quarto, que a
combinação dos mais variados elementos, face a cada configuração inicial, tem
de agir de acordo com o holismo. Não sendo certo que norteie ainda assim a sua
ação (ouça-se “Mediterraneo”, deste ano), é inegável que os documentos aqui
reunidos – registados entre 2000 e 2004 – são um postulado desses princípios:
“La Villanella”, de Kapsberger, “Homo fugit velut umbra”, segundo Stafano
Landi, “Rappresentatione di Anima, et di Corpo”, de Emilio De’ Cavalieri, “La
Tarantella” e, fundamentalmente, “All’Improvviso: Ciaccone, Bergamasche, &
un po’ di Follie”.
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