Ian Brennan é um produtor dado à hipérbole. Por
exemplo, acerca de Jovanotti – para o qual organizou a compilação “Italia
1988-2012” – diz: “Está na elite dos escritores de canções pós-Dylan, ao nível
de Tom Waits”. E não hesita em apodar General Paolino – cantor cego que
encontrou nas ruas de Juba, e a quem, já em 2013, viabilizou a edição de “South
Sudan Street Survivors” – como “o Ray Charles do Sudão do Sul”. Mas, não fosse essa
sua vaidade por procuração, a par de uma alergia ao meio académico, que
julga “antitético aos movimentos revolucionários”, e não teríamos ouvido as
esquálidas harmonias dos ruandeses The Good Ones ou os plangentes hinos
devocionais de uma trupe de vendedores de espetadas de rato-do-campo chamada
Malawi Mouse Boys, por si registados in
loco. Ou seja, é por crer que “os artistas historicamente mais importantes
provêm de circunstâncias menos auspiciosas” – as frases citadas estão no seu site – que este paladino da equidade trata
relatórios do Human Rights Watch como se fossem brochuras de agência de
viagens. E em boa hora se aventurou pelos arrabaldes da capital da mais recente
nação do mundo, esbarrando com uma encantadora, complexa e renovada prática
responsorial, tecida em torno do kpaningbo,
um invulgar xilofone tocado a seis mãos. Não que Brennan pareça sabê-lo, mas, dos
azande, sedeados em exiciais regiões do Sudão do Sul, da República
Centro-Africana e da República Democrática do Congo, só numa coleção da secção
de etnomusicologia do RMCA-Museu Real da África Central, na Bélgica, num volume intitulado “Music of the Azande”, se encontram hoje gravações análogas, embora de
desatualizada temática. Por isso, sim, uma lembrança casual – mesmo veiculada
através de um protetorado tão enfático quão restritivo – é ainda preferível ao crónico esquecimento.
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